quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

SALTA, LA LINDA (Laércio de Melo Duarte)



A arquitetura colonial de Salta 
parece ter saído dos contos fantásticos de Garcia Marques 

Nós que estivemos sob grande influência imigratória  européia posterior à colonização ibérica, não temos ideia do que seja uma nação de raça única. Sabe aquela piada onde um interlocutor diz ao outro "É tudo a mesma coisa" e recebe como resposta: "Mesma coisa é um caminhão cheio de japoneses".   É isso mesmo.  Na portaria do pequeno hotel em Cafayate, na escarpa inicial dos Andes Saltenhos, estava um francês tentando se comunicar, em inglês, com a indiazinha da recepção. Depois de acompanhar a tentativa de conversa, e bem metido que sou, tomei a tarefa de indagar ao francês se ele tinha certeza de ter pago os valores adiantados que alegava ter pago, e se quem recebeu era mesmo a moça ali defronte. Ele garantia que sim, e parecia sincero nas suas afirmações. Pergunta daqui, investiga dali, a recepcionista acaba descobrindo que foi uma camareira que recebeu o dinheiro e "esqueceu" de anotar na ficha do rapaz. Como poderia o pobre europeu saber que uma não era a outra, já que pareciam idênticas? Os mesmos olhos negros, o mesmo pelo finíssimo a contornar as suaves curvas da nuca,  coxas e braços, a mesma pele macia, os mesmos cabelos longos e pretos, os mesmos lábios carnudos .... ai,ai,ai ... Sim, além de parecerem-se iguais, são extremamente sensuais. Em geral as jovens são bunitinhas, baixinhas, peitudinhas e bundudinhas, mas também circulam aquelas que parecem modelos de revista, verdadeiras jóias eróticas, digo, exóticas, com seus 1,80 m de altura e corpos esculturais. 

Noventa e nove por cento da populacão de Salta é descendente de índios. Vinte e cinco por cento ainda vivem em tribos, falando exclusivamente a língua nativa Aymará, uma variação do inca Quechua, que comandavam o espetáculo na altura do ano 1400 desde os contrafortes andinos da Colômbia até a Patagônia.


Em dias claros no inverno, se  contempla a cordilheira
completamente nevada.


Neste e em outros aspectos, Salta é deliciosamente latino-americana. O caso do dinheiro que o francês adiantou e não obteve recibo é coisa rotineira, pois o nível de formalização da atividade econômica é muito precário. Você vai a um restaurante hoje, paga um preço. Amanhã pagará preço maior ou menor pelo mesmo serviço, a depender do humor do negociante ou do garçom.  O caso é que ele lhe apresenta a conta fechada "São 65 pesos". Eu respondo "Não é, não senhor." e explico que o filé com fritas sai por 28, o vinho é 15 e a salada 8, portanto, o total dá 51 e não é possível que estejam cobrando 30% de comissão. Então, na maior cara de pau, ele se faz de vítima: "Haaa, dá 45 pesos, tá bom!". Replico que "Não dou, não! Aqui está o correto, 55 pesos" e ambos fazemos as pazes.  


A argila avermelhada do solo
proporciona visões de rara beleza.

O Trem das Nuvens sai da estação de Salta
e corre no altiplano,
chegando a 5 mil metros acima do nível do mar.



Assim como em todos os demais países e estados da América Latina, é realmente tudo a mesma coisa, pois na Bolivia, Peru, Paraguai, Tucumán, Catamarca, Jujui e Salta, assim como Bahia, Amazonas, Pará, Maranhão e tantas outras sociedades,  quem manda é a elite branca e européia. Isso está impregnado há séculos na alma desses povos, tanto que eles já automatizaram o comportamento para a obediência simples e direta no dia a dia. Cena exemplar: o ônibus de Cafayate chega em Salta e forma-se um aglomerado em torno do maleiro (eles nunca organizam fila para nada, é uma zona total, parece a Bahia). O maleiro inicia a retirada das malas e as vai distribuindo conforme se apresente o dono. Achei razoável a ideia, por que otimiza o serviço dele. Mas, um cidadão de olhos e pele clara atravessa todo o aglomerado, apresenta seu tícket ao maleiro e este procura especificamente a mala do senhor branco. Não se ouve um pio na “fila”, além da minha revolta em espanhol macarrônico, que ninguém apoiou, nem com um simples olhar. Meu último recurso foi chamar o transgressor de “ignorante”, mas ele também não me dá a mínima. Pelo jeito, o ignorante sou eu.    
E na minha vez o maleiro ainda me pede uma gorjeta! 


Nos vales saltenhos se produz a melhor uva Torrontés do mundo. Ela foi desenvolvida em Bordeaux (França), mas foi em Cafayate que se tornou perfeita para a feitura dos
melhores vinhos brancos frutados, semelhante aos verdes do Minho (Portugal). Levemente gaseificados e pouco alcoólicos, pode-se bebê-los gelados, em várias ocasiões e maneiras. Visitar as várias cantinas e bodegas espalhadas pelo deserto
é uma aventura inesquecível. Quem foi um dia, vai sonhar um dia voltar.   Tin Tin !!! 


Salta foi fundada pelos exploradores de minas em Potosi (Bolívia), na altura do ano 1580. Eles precisavam de um ponto de paragem na viagem para o Rio de la Plata e sua saída para o oceano Atlântico. Houve grande influência andaluza moura de Granada e principalmente catalã, proveniente de Barcelona.  



Salta desempenhou papel fundamental na guerra de independência contra a Espanha. O saltenho general Guemes foi, junto com o correntino San Martin e o tucumano Belgrano, os grandes comandantes das tropas que se rebelaram contra o domínio colonial espanhol. A luta durou muitos anos e, antes de expulsar os espanhóis definitivamente para os lados da Bolívia em 1816, seis anos após a declaração de independência proclamada em Buenos Aires,  Guemes foi ferido em combate. Cavalgou ainda três dias e quando pressentiu a morte, ordenou que a tropa acampasse e preparou seu último churrasco gordo de gaúcho, justo na quebrada onde hoje está a Avenida Balcarce, local de diversão e arte, onde ficam as melhores "peñas" de Salta, verdadeiros galpões crioulos de onde sai o som "de las zambas", assim mesmo, no feminino, o ritmo ancestral da província. 







Um comentário:

  1. Uma ótima e esclarecedora reportagem sobre essa encantadora região, a qual ainda não tive o prazer de visitar.

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