
Autor João Alvaro
No início dos anos 1980, com o
nascimento do nosso primogênito, Guilherme, no retorno do trabalho no final do
dia e também nos finais de semana, os três saíamos de carro, passeando pela
cidade, como forma de distração dele, que gostava muito de estar no carro e
acabava relaxando e adormecendo. Aliás, o carro era mesmo um sonífero muito
eficaz. Nessa época tínhamos um corcel II, sedan, branco, primeira
linha (LDO), bancos de couro, um excelente carro, e muito confortável, para
esses passeios no asfalto da cidade e também para viagens longas.
Em um determinado passeio o
assunto passou a ser a necessidade de trocarmos de casa por uma maior, já que a
família havia crescido e nossa casinha de 64m², de 5 peças mais a garagem,
já ficara pequena. Assim que passamos a olhar mais atentamente para placas de "vende-se",
e não demorou a encontrarmos uma que imediatamente nos chamou a atenção e nos
encantou. Era uma casa de alvenaria, com telhas de barro, beiral de concreto, o
que indicava que era com forro de laje e um terreno grande, todo murado com
um pomar nos fundos da casa. Foi tudo o que deu prá ver pelo lado de fora
das grades do jardim, no meio do qual estava a placa "vende-se" afixada
em uma estaca de madeira. A rua, sem asfalto, não trouxe nenhuma preocupação e
ninguém pensou na poeira ou no barro quando chovesse.
Nossa imaginação voou... Quantos
cômodos teria? E o quintal, tão grande! Talvez fazer uma horta, um pomar, um
galinheiro... Quanta coisa começou a inundar os pensamentos e a transbordar em
planos mirabolantes... O céu é o limite para quem se põe a sonhar. É uma beleza
misturar a realidade e a ilusão no mesmo pacote; é receita certa para sentir
felicidade.
Mas, o passo seguinte foi fazer
as contas, somando nada da poupança com mais nada do saldo bancário, o resultado
deu disponibilidade financeira zero. Mas, a danada da casa tinha mesmo nos
envolvido emocionalmente e nos meses seguintes, por diversas ocasiões,
continuamos a passar em frente a ela e sempre verificando se a placa
permanecia. Mais contas e nada de coragem de buscar saber o preço e as condições.
"Não dá, vamos desistir",
dizia eu, mas, sem convicção, porque o desejo permanecia. Longos meses se
passaram sem falarmos mais no assunto, mas ainda só tínhamos olhos para ela,
até que um dia, ao passar por aquela rua, não vimos a placa. Parei em frente à
grade em busca de enxergar a placa e nada vi, mas observei que o jardim estava
com mato alto, tipo meio metro de altura ou mais. A situação se repetiu em outra
ocasião com a mesma sensação de que a casa continuava desabitada, e imaginei
que o vento poderia ter derrubado a placa. Decidi pular a cerca e procurar.
Sim, a placa, caída, estava lá, encoberta pelo mato do jardim. "É o sinal",
pensei. "Esta casa está reservada prá mim." Anotei o número do
telefone da placa e deixei-a no chão, sem mexer. Nessa hora decidi, sem fazer
as contas, que era a hora de dar o primeiro passo e conversar com o
proprietário.
Mandei lavar e polir o carro
até parecer um espelho. Pensei que devia causar boa impressão à primeira vista
na conversa com o proprietário da casa. Estacionei bem na frente do número
indicado e veio me receber uma senhora de meia idade com a cuia de chimarrão na
mão. Após nos apresentarmos fui direto ao assunto: sua casa está há
muito tempo à venda, mas me interessa se puder dar um bom prazo, e preciso
colocar o carro no negócio, fui logo dizendo. Se for para ouvir um não que seja
logo, pensei. Mas, aceitei mais um chimarrão enquanto dona Iracy me
contava sobre a filha que havia passado no vestibular da Universidade Estadual
de Maringá e que parte do dinheiro da venda da casa seria para presentear com
um carro à filha. O carro de preferência seria um Corcel II, branco. Perfeito,
igual o meu. Ela viu o carro e se apaixonou. Negócio fechado, carro de entrada
e tempo... (para buscar financiamento...) com 6 parcelas mensais para eu pagar.
Foi a maior ginástica para
buscarmos dinheiro em poupança, cheques especiais de vários bancos e finalmente
um empréstimo bancário (papagaio) para as últimas parcelas e mais 3 anos
pagando, renovando, pagando e renovando e só pagando... Aliás, isso não está
escrito em livro nenhum de como comprar uma casa sem planejar e sem dinheiro,
não me dá saudade desse momento difícil, mas em fim a papagaiada terminou.
Atualmente, quando ouço minha
esposa dizer que se você realmente deseja algo, mesmo que não tenha meios
"jogue para o cosmo" ela diz, "e deixe-o conspirar a teu
favor". E neste episódio foi justamente o que aconteceu conosco.
A casa, agora com asfalto
em frente, ainda nos pertence e está alugada. Lá vivemos muitos momentos
inesquecíveis das nossas vidas, em especial o nascimento da Talita Gabriela,
nossa filha do meio. A horta nunca foi prá frente, mas o pomar cresceu e
frutificou... Amoras, goiabas, limas, limões, abacates, mangas, carambolas,
acerolas; e só o pé de jaca não produziu. Separei com tela a horta do pomar, e
por algum tempo galinhas caipiras ficaram donas desse pomar e serviam de
diversão para as crianças...
Bons tempos que permanecem
vivos em nossa memória.
🤗👏👏 linda história. .verdade joga pros cosmo ele conspira ....parabéns
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