
Autor: Hélio Cervelin
Era 24 de dezembro, véspera
do Natal de 1995, e eu estava com minha família no apartamento da cunhada Anna
Maria, no centro de Florianópolis, esperando a chegada dos demais familiares
para a ceia do Natal.
Desde a manhã, a chuva
caía sem parar, numa intensidade assustadora. Parecia que São Pedro abrira
totalmente as "torneiras do céu" e esquecera-se de fechá-las. O
alerta de que a situação estava ficando grave veio através do nosso sobrinho,
Vicente, que chegou ao apartamento por volta das 21 horas, com a roupa toda
ensopada, narrando o que vira ao atravessar a Avenida Othon Gama D'Eça: água
chegando até o peito, enxurrada violenta, pessoas assustadas pelo caminho,
correndo de um lado para o outro tentando se proteger enquanto fugiam do
alagamento que havia tomado toda a avenida.
Percebendo que o
"mundo estava desabando", minha esposa e eu, acompanhados das três filhas, todas menores, decidimos voltar para casa antes que as coisas
piorassem, sabedores de que nossa casa estava em risco por estar localizada em
um bairro vulnerável. Então embarcamos no Corsa Azul Van Dyke novo e rumamos
para o Bairro Santa Mônica.
Logo na saída para a Beira-mar
Norte notamos que a situação estava trágica: água por todos os lados, pistas
inundadas, filas de automóveis vagarosos subindo em calçadas. Os motoristas desviavam dos carros pifados pelo caminho. E não
eram poucos. Um caos total.
Decidimos sair dessa
avenida, por considerá-la muito baixa, e tentamos um novo trajeto pelo Bairro
Agronômica, uma área mais elevada. Por diversas vezes subi na calçada para
desviar da correnteza e das poças de lama.
Em alguns momentos tive que engatar marcha à ré para tentar um caminho
menos alagado, desviando dos obstáculos que boiavam pelas ruas inundadas. Chegamos
a ver um homem seminu correndo, numa movimentação desesperada de pedestres,
buzinas incessantes, loucura total.
Minhas filhas entraram
em pânico e começaram a gritar de pavor. Nunca me arrependi tanto por ter saído
de casa e entrado nessa perigosa aventura. Tratei de acalmá-las e buscar
alternativas para retornar ao centro, sem saber se iria conseguir.
Todos os obstáculos que
eu havia ultrapassado precisei superá-los no retorno. A cada manobra que eu
fazia o pânico aumentava, sempre achando que a qualquer momento o meu automóvel
afundaria em algum buraco, obrigando-nos a abandonar o veículo no meio da
inundação para sair a nado pelas ruas, sujeitando-nos a sermos arrastados pela
correnteza.
Conseguimos avançar até
ultrapassar o Palácio da Agronômica, já no bairro Trindade, mas as poças d'água
eram tantas e tão grandes que decidimos parar. E, por quase um milagre,
conseguimos retornar ao nosso ponto de partida, o apartamento do qual havíamos
saído, numa atitude imprudente, agora o sabíamos. Passamos uma noite tensa, com
a chuva que nunca parou uns instante
sequer, sempre com intensidade máxima, até que, no dia seguinte pela manhã, finalmente. pudemos chegar a casa.
A chuva havia dado uma trégua
e o sol começava a mostrar seus raios meio envergonhados. Ao adentrarmos ao
quintal de casa, nossa cadela Lili veio ao nosso encontro, desesperada e
apavorada, mas sentindo-se aliviada pela nossa presença. Parecia querer nos
contar em um minuto todas os traumas e medos pelos quais passara, sozinha em
casa, sem ter a quem recorrer, e apoiando-se sobre uma mesa de brinquedos, na
garagem dos fundos.
Minha casa ficou totalmente
inundada. A água chegou a atingir a altura de 60 centímetros. A geladeira e o
freezer estavam recostados à parede da cozinha, em 45 graus, mas ainda
funcionando. Nada mais havia a fazer a não ser arregaçar as mangas e começar a
remover os colchões, abrir os roupeiros e retirar tudo de dentro, verificar as
comidas atingidas na despensa, as panelas enlameadas. A lama tomara conta dos
pisos, carpete, tapetes e cortinas. E os meus discos de vinil? Uma lástima!
Enchentes
A dor e desespero
de quem “não tem nada”
Perder tudo
O choro a lagrima,
a alma abalada
O fim do mundo
O sentimento de
solidão é avassalador
Cada batida do
coração, o peito sente uma dor
Bem lá no fundo,
e agora
reconquista tudo de novo
Mostrando mais uma
vez a força do povo
Respire fundo,
e mantenha a cabeça
erguida
Tudo que é material
pode ser conquistado enquanto se tem vida.
Autor: Vinicius Alceu
Munidos de mangueira,
baldes, vassouras, rodos e panos pusemos
mãos à obra. Contando com a valiosa ajuda do amigo Dalazen e dos parentes, dentre os quais Éldio e Badina, começamos a faxina, enquanto o sol brilhava
lá fora. Mas o tempo não estava firme.
O trabalho transcorreu
incansável, e todos sempre de olho nas nuvens, que pareciam querer nos fazer
alguma surpresa a qualquer momento.
Era perto das 13 horas, o piso já estava limpo, quando
o tempo, após trovejar e fazer cara feia por diversas vezes, desabou novamente
em uma chuva torrencial e ininterrupta, formando correntes de água próximas às
calçadas, crescendo cada vez mais feito córregos deslizantes. E o nível das
águas começou novamente a subir, aproximando-se aos poucos da casa, até começar
a inundá-la mais uma vez. A vizinhança estava alvoroçada, cada um tentando
salvar seus pertences. Havia um automóvel amarrado por uma corda a uma árvore,
pois ameaçava deslizar rua abaixo.
Desesperados perante a ameaça de nova invasão da lama,
empunhávamos os rodos disponíveis e os
movimentávamos vigorosa e repetidamente, empurrando as águas de volta, porta
afora. Após alguns minutos de pânico as chuvas amenizaram e as águas começaram
a afastar-se, baixando gradualmente.
Lembro-me
de alguns comentários da época afirmando que houve trinta e seis horas
ininterruptas de chuva torrencial sobre a região da Grande Florianópolis. Foi a
maior enchente que a capital sofreu. Muros desabaram, árvores caíram, havia lama
por todos os lados! Uma paisagem de
guerra! A Rua José Boiteux, próxima ao Morro da Mariquinha, virou uma grota
devido à erosão que levou tudo para a Avenida Mauro Ramos. Cinquenta municípios
da região foram atingidos, gerando 28 mil desabrigados, provocando 40 mortes.
Ao consultar,
hoje, um jornal daquela época, constatei a seguinte informação:
"Além
da precipitação acumulada – das 9h do dia 24 até as 10h do dia 25 choveu cerca
de 165 milímetros, acima da média mensal, que era de cerca de 140 milímetros –,
outros fatores contribuíram para que o resultado fosse tão trágico. A chuva
incessante coincidiu com a maré alta e a falta de manutenção de galerias
pluviais e de limpeza de rios, tanto que lugares historicamente preservados de
enchentes – como a cidade de Palhoça, acabaram submersos. Em Florianópolis, as
regiões mais atingidas foram Trindade, Agronômica, Itacorubi, Saco dos Limões e
Centro. Na madrugada do dia 25, as rodovias SC-401 (para o norte da Ilha) e
SC-404 (para o sul), foram interditadas."
(http://www.tudosobrefloripa.com.br/index.php/desc_noticias/20_anos_depois_ifsc _relembra_enchente_de_1995_que_matou_tres_e_alagou_a_reg)
Muito se perdeu:
móveis, roupas, livros, alimentos, prédios públicos, casas, e vidas humanas.
Mas ficou uma lição: não se pode negligenciar jamais com a natureza. É preciso
respeitá-la e entender a sua lógica para evitar sofrimentos.
Nossa!! Numa hora dessas realmente não dá para sair, principalmente com criancas. Parabéns pelo relato amigo me senti por minutos neste dilúvio.
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