sábado, 19 de janeiro de 2019

ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA BRASILEIRA (Hélio Cervelin)



Autor: Hélio Cervelin

São cinco horas da tarde no Sul do Brasil. A  chuva fina cai, insistentemente, trazendo consigo uma brisa fresca que contrasta com o forte calor que reinara desde a manhã. Olho para o horizonte e vislumbro as colinas verdejantes recobertas de neblina da Ilha de Santa Catarina e começo a divagar sobre a força e as nuances da natureza, em suas múltiplas manifestações.
Permaneço nessa contemplação e percebo o quase silêncio, quebrado apenas por rajadas intermitentes de um vento mais forte. Enquanto isso fico imaginando o que estará acontecendo em outros lugares deste meu conturbado país, em grandes metrópoles como Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Belo Horizonte e Porte Alegre: as rajadas certamente serão diferentes: metralhadoras, fuzis e revólveres insistindo em mostrar "trabalho", acionadas por mãos de insanos, cujas mentes são inspiradas e comandadas por outras mentes insanas e egoístas que a tudo desejam conquistar por meio da violência e da morte, não se importando quantas lágrimas irão rolar, quanto sangue irá jorrar e quantos órfãos e viúvas irão produzir.
Na imensidão deste país, neste mesmo momento, o silêncio também predomina nas regiões agrícolas altamente produtivas como o Centro-Oeste (Goiás, Mato Grosso, Tocantins) e suas grandes plantações de soja e no Sudeste e no Sul, com suas vastas extensões de plantações e pastagens para a criação de gado.
E em nossa Amazônia, o que estará acontecendo? Vastas regiões de florestas verdes, rasgadas por águas sem fim, na forma de sinuosos rios e cascatas, comportando os movimentos de animais silvestres, incluídas as mais diversificadas espécies de pássaros. Além da fauna, uma flora das mais exuberantes, esperando sobreviver aos ataques do homem moderno, que a tudo destrói e que tudo precifica. Os chamados "ribeirinhos", povos indígenas e mestiços que habitam essa vasta região, certamente estarão neste momento retirando da água o seu sustento e a sua sobrevivência.
Das regiões montanhosas como as serras catarinense, mineira e fluminense, posso ouvir o murmúrio das cachoeiras escorrendo, avolumadas pela chuva recente. Na Serra do Mar, onde o clima é costumeiramente mais frio, a brisa açoita a vegetação, forçando os animais e  as aves a buscarem um lugar mais quente para se abrigarem.
E o Nordeste brasileiro, onde a chuva é escassa e a terra seca é uma característica, o que estarão fazendo os sertanejos? Olhando para o céu em busca de nuvens, pedindo a Deus que se lembre de mandar chuva para que suas plantações vinguem? Olhando para os açudes e vendo-os minguarem a cada dia que passa? E a cacimba quase seca, que fornece a água que as famílias tanto necessitam, quando refluirá?
Enquanto isso, do interior de seus ambientes luxuosos e bem refrigerados, governantes milionários e milionários governantes desfrutam de seus ares condicionados, em mesas regadas a vinhos, uísques e iguarias da melhor qualidade, banhando-se em  piscinas azuladas, de águas límpidas e bem tratadas.
A poucos quilômetros dali e nesta mesma hora, um grupo de pessoas malvestidas e malnutridas segue em procissão rumo a um cemitério quase em ruínas, levando o corpo de uma mulher assassinada pelo marido, Acompanhado por um séquito de maltrapilhos que compõem o seu núcleo da amizade e relacionamento, o féretro segue lento, cantando chorosas canções, invocando a Deus e à Virgem Maria. Uma cova de sete palmos está à sua espera, e o seu trajeto neste planeta estará consumado da forma mais violenta e deplorável.
Este é o meu país, comandado por uma elite déspota, egoísta e sanguinária, que nada mais vê a não ser o seu próprio umbigo; que mente e engana, descaradamente, para obter mais e mais benesses; que chafurda na lama do tráfico, da corrupção e da mentira; que consegue cooptar as consciências,  procurando eliminar todo e qualquer indivíduo ou grupo de indivíduos que possam vir a atrapalhar os seus sonhos de um Brasil fértil, próspero e totalmente dominado pela sua ganância para o seu próprio desfrute.

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