segunda-feira, 18 de novembro de 2019

SOU BRASILEIRO, SOU COVARDE (Hélio Cervelin, 18 Nov 2019)



Autor: Hélio Cervelin

Sou brasileiro e sou covarde. Jamais lutaria como lutam outros povos ao redor do mundo, com destemor e valentia. Tenho medo de lutar pelos meus direitos, o meu grito está preso na garganta e não consigo esboçar qualquer reação, desde séculos atrás.

Aqui nas Américas, vejo os chilenos derramando seu sangue ao encararem balas de borracha, cassetetes e spray de pimenta, esperando redemocratizar seu país; vejo os bolivianos lutando noite e dia, contra a opressão, a escravidão, o preconceito, a fome, a miséria, arriscando-se e morrendo para restabelecer a democracia solapada por um golpe de Estado, negado  pela direita local e internacional; vejo os equatorianos derramando seu sangue em nome da liberdade de seus cidadãos. Vejo os argentinos impondo mudanças  pelo voto.

Olho ao redor do mundo e vejo os habitantes de Hong Kong arriscando suas vidas, enfrentando armas de fogo,  em nome de um ideal. Em Paris vejo homens e mulheres arriscando suas vidas ao lutarem contra atos governamentais e a favor da Ecologia.

Aqui, no meu país, vejo a floresta ardendo em chamas, e nada faço; vejo o petróleo poluindo as praias mais lindas do  mundo, e nada faço; vejo minha cidadania indo para o brejo, e nada faço; vejo os meus direitos trabalhistas e sociais sendo extintos, dia após dia,  e nada faço.

O que acontece comigo? Por que não luto pelos meus direitos, para preservar minhas conquistas?

Mas, eu não consigo fazer isso. Sou covarde, sou brasileiro, sou arrogante e me considero superior, mesmo usando o limite do meu cheque especial e pagando a conta  do meu cartão de crédito em parcelas, a juros altíssimos, estratosféricos.

Nas eleições, dos candidatos a presidente, desprezei o  filósofo e  professor, jovem conhecido e experiente, que me prometeu dignidade e justiça e escolhi o que defende a tortura, a supressão dos direitos humanos, a repressão aos trabalhadores e às organizações sociais, defensor da homofobia, do racismo, do  preconceito. Desprezei aquele que ainda está no mesmo partido desde que se filiou, há décadas, e foi consagrado como prefeito da maior cidade da América Latina, e escolhi aquele que já mudou de   partido oito vezes. Desprezei aquele que  prometeu manter os empregos e escolhi aquele que defende apenas os empresários e é favorável à precarização do salário mínimo e das aposentadorias, esquecendo-se de que, sem consumidores, não há capitalismo.

Sou brasileiro e aplaudo a burguesia, sua pujança, suas farras, seus exageros, suas viagens de iate, seus  passeios a Miami, suas fotos glamorosas nas revistas caras, e olho com desdém os meus pares da classe média, trabalhadores, as  pessoas humildes, os gays, os garis, os garçons.

Sou um brasileiro covarde, explorado, sem consciência política,     ou seja, desconheço os meus próprios direitos, acredito na mídia podre, especialmente a Rede Globo; qualquer pastor evangélico improvisado me leva na conversa; tenho baixa autoestima, tenho complexo de vira-lata, enfim, sou um inocente útil, um covarde assumido, que se contenta  com as migalhas que caem das mesas dos abastados deste país.

Sou brasileiro, sou incorrigível, sou massa de manobra. E, ainda assim, me considero feliz.



3 comentários:

  1. Belo texto. Honesto, objetivo. Gostei do texto embora não tenho gostado do que a leitura me fez pensar a meu respeito.

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  2. Helio... bem real... sincero... verdadeiro


    Q pena que estejamos assim


    acovardados..


    q pena.

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  3. Verdade, Isabel. Uma pena.

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