domingo, 15 de dezembro de 2019

A MALDIÇÃO DO VOCÊ (Hélio Cervelin, 15 dez 2019)



Autor: Hélio Cervelin

Quando se quer aconselhar alguém, se deve largar tudo o que se está fazendo, se sentar à sua frente, olhá-lo nos olhos e, com muito respeito, argumentar.
Elaborei a frase, acima, para servir de ponto de partida para um debate sobre deturpação da palavra "se", uma ocorrência diária nos meios de comunicação, tendo já contaminado a fala de repórteres, apresentadores, economistas, profissionais da medicina e até mesmo ministros de Estado. Acredito que tal anomalia proveio diretamente do estado de São Paulo, e já explico por que. É em São Paulo que se adota muito contrair a  palavra "você" para "cê". "Você" virou simplesmente "cê": Vejamos: "Cê foi à festa, ontem?" - "Cê vai entrar em férias quando?"
Existem até motéis com o nome "Cê que sabe", muito utilizados pelos galanteadores, que, no primeiro encontro, apanham a menina para sair e perguntam aonde ela gostaria de ir. Então ela responde: "Cê que sabe".  Pimba! Melhor impossível, não é mesmo?
Quando o assunto é Língua Portuguesa, torna-se espinhoso explicar aos cidadãos comuns a função da partícula ou palavra "se", hoje em dia muito confundida com "você".
"Se" pode ser uma Conjunção Subordinativa Integrante na frase: "Quero saber se ela virá à festa". Ou um Pronome Reflexivo, na frase: "A criança machucou-se".  Ou Índice de Indeterminação do Sujeito, no caso: "Discorda-se do fato". É este o que mais nos  interessa, embora ainda existam outras classificações para a famigerada partícula.
E a corruptela começa quando um médico,  por exemplo, referindo-se a  um paciente que tenha sofrido traumatismo craniano grave, dirige-se ao repórter em resposta a uma pergunta deste sobre a possibilidade de uma intervenção cirúrgica, dizendo: "-Veja bem! Se VOCÊ entrar agora com um procedimento dessa natureza VOCÊ poderá abreviar a vida do paciente. O ideal  é VOCÊ esperar."
Opa! Tem algo errado aí! O repórter vai fazer uma cirurgia, vai comprometer a vida do paciente?! Mas ele não é cirurgião! Nem enfermeiro é!
Então vamos refazer aquela frase: - Se SE entrar agora com um procedimento dessa natureza SE poderá pôr em risco a vida do paciente. O ideal a SE fazer é esperar. Ah, bom, agora eu entendi. É o maldito VOCÊ utilizado no lugar do SE!
E assim ocorre diariamente, por esse  país afora, repórteres virando ministros de Estado a toda hora: "- Se VOCÊ relaxar o controle sobre a moeda, agora, VOCÊ poderá trazer a inflação de volta." O repórter poderia se perguntar: "-EU, relaxar o controle?! - EU, trazendo a inflação de volta?!"  Ah, entendi! Ele quis dizer: "Se se relaxar (ou se relaxarmos - nós, autoridades monetárias) o controle sobre a moeda, agora, se poderá (haverá o risco de) trazer a inflação de volta."
E mais uma, esta é do delegado, explicando a captura dos bandidos alvejados pela polícia: "- Se VOCÊ tivesse atirado com uma arma de calibre mais grosso VOCÊ teria tirado a vida dos suspeitos." Novamente a pergunta; "-Eu, atirando?! Eu, tirando a vida de alguém?!" diria o repórter. Aqui está, de novo, o  pronome pessoal "VOCÊ" roubando o lugar da partícula "SE".
E a vida segue, com o nosso vernáculo sendo assassinado por "VOCÊ", diariamente. Maldito "VOCÊ"! Paulistas, "CÊS" me  pagam!


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