
Autor: Hélio Cervelin
Quando
se quer aconselhar alguém, se deve largar tudo o que se está fazendo, se sentar
à sua frente, olhá-lo nos olhos e, com muito respeito, argumentar.
Elaborei
a frase, acima, para servir de ponto de partida para um debate sobre deturpação
da palavra "se", uma ocorrência diária nos meios de comunicação,
tendo já contaminado a fala de repórteres, apresentadores, economistas, profissionais
da medicina e até mesmo ministros de Estado. Acredito que tal anomalia proveio diretamente
do estado de São Paulo, e já explico por que. É em São Paulo que se adota muito
contrair a palavra "você" para
"cê". "Você" virou simplesmente "cê": Vejamos: "Cê
foi à festa, ontem?" - "Cê vai entrar em férias quando?"
Existem
até motéis com o nome "Cê que sabe", muito utilizados pelos
galanteadores, que, no primeiro encontro, apanham a menina para sair e
perguntam aonde ela gostaria de ir. Então ela responde: "Cê que sabe". Pimba! Melhor impossível, não é mesmo?
Quando
o assunto é Língua Portuguesa, torna-se espinhoso explicar aos cidadãos comuns
a função da partícula ou palavra "se", hoje em dia muito confundida
com "você".
"Se"
pode ser uma Conjunção Subordinativa Integrante na frase: "Quero saber se ela virá à festa". Ou um Pronome
Reflexivo, na frase: "A criança machucou-se". Ou Índice de Indeterminação
do Sujeito, no caso: "Discorda-se
do fato". É este o que mais nos
interessa, embora ainda existam outras classificações para a famigerada
partícula.
E
a corruptela começa quando um médico,
por exemplo, referindo-se a um
paciente que tenha sofrido traumatismo craniano grave, dirige-se ao repórter em
resposta a uma pergunta deste sobre a possibilidade de uma intervenção
cirúrgica, dizendo: "-Veja bem! Se VOCÊ entrar agora com um procedimento
dessa natureza VOCÊ poderá abreviar a vida do paciente. O ideal é VOCÊ esperar."
Opa!
Tem algo errado aí! O repórter vai fazer uma cirurgia, vai comprometer a vida
do paciente?! Mas ele não é cirurgião! Nem enfermeiro é!
Então
vamos refazer aquela frase: - Se SE entrar agora com um procedimento dessa
natureza SE poderá pôr em risco a vida do paciente. O ideal a SE fazer é esperar.
Ah, bom, agora eu entendi. É o maldito VOCÊ utilizado no lugar do SE!
E
assim ocorre diariamente, por esse país
afora, repórteres virando ministros de Estado a toda hora: "- Se VOCÊ relaxar
o controle sobre a moeda, agora, VOCÊ poderá trazer a inflação de volta."
O repórter poderia se perguntar: "-EU, relaxar o controle?! - EU, trazendo
a inflação de volta?!" Ah, entendi!
Ele quis dizer: "Se se relaxar
(ou se relaxarmos - nós, autoridades monetárias) o controle sobre a moeda,
agora, se poderá (haverá o risco de)
trazer a inflação de volta."
E
mais uma, esta é do delegado, explicando a captura dos bandidos alvejados pela
polícia: "- Se VOCÊ tivesse atirado com uma arma de calibre mais grosso
VOCÊ teria tirado a vida dos suspeitos." Novamente a pergunta; "-Eu,
atirando?! Eu, tirando a vida de alguém?!" diria o repórter. Aqui está, de
novo, o pronome pessoal "VOCÊ"
roubando o lugar da partícula "SE".
E
a vida segue, com o nosso vernáculo sendo assassinado por "VOCÊ",
diariamente. Maldito "VOCÊ"! Paulistas, "CÊS" me pagam!
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