E quando chegar a "hora final" você estará preparado para suportar o videoteipe?
Sem conseguir entender como chegou lá, você se percebe na presença do Senhor Todo-Poderoso, um imponente homem de vestes brancas e longas barbas, ao lado de um trono cintilante e defronte a uma tela. Ele tem um projetor ligado, interruptor em punho, régua fina e longa na mão, apontando para a tela, tocando-a com ruídos secos, característicos do trabalho de um professor compenetrado.
E com olhar grave e expressão acusadora, argumenta o Senhor:
- Erraste aqui, aqui e aqui!
Você balança, estremece, começa a ficar gelado...
- Te omitiste aqui, aqui e aqui!
Você começa a baixar a cabeça...
- Vacilaste aqui, aqui e aqui...
E, inclinando-se - constrangido - você exclama, mais para si mesmo: - Eu fiz isso?!
E os teus erros continuam sendo apontados, um após outro, perante um tribunal anciães sóbrios e de semblante impenetrável.
- Prejudicaste o teu colega, aqui. (E continua apontando os eventos gravados)
A essa altura a tua cabeça começa a se inclinar para frente. A exposição inconteste dos fatos pretéritos é tão impiedosamente avivada que o seu queixo já está tocando o teu peito.
- E tem mais isto - aponta o Senhor para outro trecho do vídeo.
E então você começa a sentir um tremor nas pernas, uma fraqueza crescente, e a sentir o seu corpo irá desabar, pois que está começando a prostrar-se.
- E como se não bastasse.... - continua a ladainha do Pai Celestial, sempre apontando para novos fatos desabonadores. E você desaba. Sua testa cola no chão. Você está literalmente arrasado. Humilhação pura! Prostração total! Aí você pensa: "Estou condenado ao fogo do inferno".
- Todavia... Balbucia o Senhor.
Alerta Geral! "Será que haverá alguma misericórdia para mim?"- pensa.
- Ajudaste a este pobre homem em um momento crucial... (É o Senhor, continuando, sempre apontando para a tela e identificando os envolvidos).
Sua testa começa a descolar do chão.
- Suportaste calado, aqui, aquela repressão interminável. (O teu nariz começa a sentir certo alívio).
- Sofreste quase duas décadas estudando, frequentando escolas todos os dias, levantando cedo, fazendo as lições de casa, pesquisando, lendo...
Neste momento você já começa a recompor-se. Senta no chão.
- Resististe, bravamente, às cantadas destas mulheres (aponta para uma linda mulher loura), destas morenas (aponta para lindas morenas) e desta ruiva...
A essa altura a tua posição já começa a ficar menos desconfortável, o teu moral começa a elevar-se, e você também começa a soerguer-se.
E Ele continua:
- Conseguiste suportar o teu chefe durante trinta e cinco longos anos, cumprindo suas ordens, executando tarefas, aguentando o seu mau humor, rindo de suas piadas sem graça. Também suportaste com bravura os maus humores de tua esposa, especialmente em períodos de TPM, durante quarenta e três anos, ajudando-a a criar, alimentar, vestir e educar essas seis crianças, que hoje são jovens saudáveis e preparados para a vida, apesar do alto custo da educação no país. Além disso, ainda conseguiste sobreviver à pressão econômica do FMI e às políticas salariais e tributárias por ele impostas através dos teus governantes.
A essa altura você já está em pé, e os aplausos começam a aparecer. Primeiro tímidos, e em seguida estrepitosos. Ao teu redor senhores de longas barbas grisalhas sorriem e lhe aplaudem freneticamente.
Diante da reviravolta da situação você já está quase se arriscando a um palpite e se perguntando:
- Será que consegui um superávit no meu balanço do pagamentos?