
Autora: Delva Robles
Lembrei-me de
minha casa - ou da casa de meus pais - quando eu era jovem.
O cardápio para o
almoço da sexta-feira santa era garbanço (grão de bico), com
batatas, temperados com cominho, e bolinho
de bacalhau. Minha mãe fazia milagres com o pouco bacalhau que meu pai comprava:
dividia alguns pedaços para dar gosto no garbanço e
o resto ela desfiava e fazia bolinhos fritos, que eram
uma massa feita com ovos, farinha, cebolas e temperos verdes.
Esse era um dia muito
especial. Minhas irmãs casadas trariam seus filhos e todos nos sentaríamos à mesa para o
almoço. O grão de bico era como uma sopa, bem temperada e com pouco
caldo, mas muito saborosa. Para as crianças, que geralmente
não gostavam de garbanço e bacalhau, era o dia de macarrão com
sardinha. Neste dia nenhum açougue estaria
aberto. Ninguém comia carne vermelha na semana santa e
o macarrão com sardinha que geralmente sobrava,
ficava para o jantar.
Nossa casa
era barulhenta, com um intenso murmurar de conversas, gritos de
crianças, latidos de cachorros e, como sempre, muitos gatos ronronando nas
nossas pernas. Na mesa sempre havia vinho e limonada de limão
galego, fruto do nosso quintal.
As tardes de domingos
e feriados eram preguiçosas e haveria sempre mais de uma rede para
se descansar. Na sala, a vitrola sempre tocava algo como canções
espanholas. E vovó sempre sentadinha no sofá da sala ou em uma
cadeira na porta da cozinha, reprovando cada risada ou expressão oral muito alta.
Nossa casa tinha uma
varanda enorme que rodeava quase toda ela, e muitas árvores
frutíferas que papai plantara, como poncãs, laranjeiras, bananeiras,
jabuticabeiras... Sem falar das velhas árvores nativas que faziam sombras belas
e majestosas no nosso quintal.
Havia também
uma bela horta que produzia muitas verduras. Para a
sobremesa mamãe sempre fazia algo como arroz doce, doce de abóbora, doce de
mamão, canjica. No café da tarde haveria um bolo de fubá enriquecido
com erva doce e pão feito em casa e assado no forno de nosso quintal. Papai
adorava reunir todos os filhos nos domingos e feriados.
De repente, sinto o
cheiro desta e de outras tardes, quando mamãe preparava
a nossa janta. De longe, sentia o aroma. Poderia ser
uma sopa de macarrão com feijão, uma tortilha espanhola, batatas
fritas, cuscuz, ou mesmo a sobra do almoço, servido com uma
bandeja de ovos fritos.
Que saudades daquelas
tardes, daqueles cheiros, daqueles ruídos, daquelas
noites onde nos sentávamos na varanda
e conversávamos despreocupadas e felizes sob
a luz da lua e das estrelas,
onde tudo era muito simples.
Talvez o segredo da
felicidade esteja na simplicidade e quando
envelhecemos nossa alma busca esse retorno e
volta a sentir alegria com o banal, o trivial.
"Assim
como um pardal", como na canção de Rita Lee, tornando os dias UM ETERNO
DOMINGO.
BAILA COMIGO
Rita Lee
Se Deus quiser, um dia eu quero ser
índio
Viver pelado, pintado de verde num eterno domingo
Ser um bicho preguiça e espantar turista
E tomar banho de sol, banho de sol, banho de sol, sol
Viver pelado, pintado de verde num eterno domingo
Ser um bicho preguiça e espantar turista
E tomar banho de sol, banho de sol, banho de sol, sol
Se Deus quiser um dia acabo voando
Tão banal, assim como um pardal, meio de contrabando
Desviar de estilingue, deixar que me xinguem
E tomar banho de sol, banho de sol, banho de sol, banho de sol
Tão banal, assim como um pardal, meio de contrabando
Desviar de estilingue, deixar que me xinguem
E tomar banho de sol, banho de sol, banho de sol, banho de sol
Baila comigo, como se baila na tribo
Baila comigo, lá no meu esconderijo
Baila comigo, lá no meu esconderijo
Se Deus quiser um dia eu viro semente
E quando…´
E quando…´
https://www.youtube.com/watch?v=P1LQfcpd4ro
(clique no link para ouvir a música)
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