sábado, 27 de abril de 2019

SEXTA-FEIRA SANTA E MINHAS LEMBRANÇAS (Delva Robles)


Autora: Delva Robles

Lembrei-me  de minha casa - ou da casa de meus pais - quando eu era jovem.  
O cardápio para o almoço da sexta-feira santa era garbanço (grão de bico), com batatas,  temperados com    cominho, e bolinho de bacalhau. Minha mãe fazia milagres com o pouco bacalhau que meu pai comprava: dividia alguns  pedaços para dar gosto no garbanço e o  resto ela desfiava e fazia  bolinhos fritos, que eram uma massa feita com ovos, farinha, cebolas e temperos verdes.
Esse era um dia muito especial. Minhas irmãs casadas trariam seus filhos e todos nos sentaríamos à mesa para o almoço.  O grão de bico era como uma sopa, bem temperada e com pouco caldo, mas muito saborosa.   Para as crianças, que geralmente não gostavam de garbanço e bacalhau, era o dia de macarrão com sardinha.    Neste dia nenhum açougue estaria aberto.  Ninguém comia carne vermelha na semana santa e o  macarrão com sardinha que geralmente sobrava, ficava  para o jantar.
Nossa casa era  barulhenta, com um intenso murmurar de conversas, gritos de crianças, latidos de cachorros e, como sempre, muitos gatos ronronando nas nossas pernas.  Na mesa sempre havia vinho e limonada de limão galego, fruto do nosso quintal. 
As tardes de domingos e feriados eram preguiçosas e haveria sempre  mais de uma rede para se descansar.  Na sala, a vitrola sempre tocava algo como canções espanholas. E vovó  sempre sentadinha no sofá da sala ou em uma cadeira na porta da cozinha, reprovando cada risada ou expressão oral muito alta.  
Nossa casa tinha uma varanda enorme que rodeava  quase toda ela, e muitas árvores frutíferas que papai plantara, como poncãs, laranjeiras, bananeiras, jabuticabeiras... Sem falar das velhas árvores nativas que faziam sombras belas e majestosas no nosso quintal.
Havia  também uma bela horta que produzia muitas verduras.   Para a sobremesa mamãe sempre fazia algo como arroz doce, doce de abóbora, doce de mamão, canjica.  No café da tarde haveria um bolo de fubá enriquecido com erva doce e pão feito em casa e assado no forno de nosso quintal. Papai adorava reunir todos os filhos  nos domingos e feriados.
De repente, sinto o cheiro desta e de outras   tardes, quando mamãe preparava a  nossa janta.  De longe, sentia o aroma. Poderia ser uma sopa de macarrão com feijão, uma tortilha espanhola, batatas fritas, cuscuz, ou mesmo a sobra do almoço, servido com  uma bandeja  de ovos fritos.
Que saudades daquelas tardes, daqueles cheiros, daqueles ruídos, daquelas noites  onde  nos sentávamos na  varanda e  conversávamos  despreocupadas  e  felizes   sob a luz   da  lua  e das  estrelas, onde tudo era muito simples. 
Talvez o segredo da felicidade  esteja  na simplicidade e quando envelhecemos  nossa alma  busca esse  retorno e volta a  sentir alegria com  o  banal, o trivial.
"Assim como um pardal", como na canção de Rita Lee, tornando os dias  UM ETERNO DOMINGO. 
  
BAILA COMIGO
Rita Lee
Se Deus quiser, um dia eu quero ser índio
Viver pelado, pintado de verde num eterno domingo
Ser um bicho preguiça e espantar turista
E tomar banho de sol, banho de sol, banho de sol, sol
Se Deus quiser um dia acabo voando
Tão banal, assim como um pardal, meio de contrabando
Desviar de estilingue, deixar que me xinguem
E tomar banho de sol, banho de sol, banho de sol, banho de sol
Baila comigo, como se baila na tribo
Baila comigo, lá no meu esconderijo
Se Deus quiser um dia eu viro semente
E quando…´

https://www.youtube.com/watch?v=P1LQfcpd4ro
(clique no link para ouvir a música)




quarta-feira, 24 de abril de 2019

PAÍS DA INGRATIDÃO (Hélio Cervelin)



Autor: Hélio Cervelin

Fazer o bem sem esperar gratidão
Nos descaminhos da vida
Preservar o coração
Da batalha árdua e sofrida

Errar e não esperar compaixão
Indulgências mal paridas
Acertar e não poder contar
Com os aplausos de mentes empedernidas

Seguir entre tantos hipócritas
Falsários, dissimulados
Atento às agressões mundanas
Que surgem por todos os lados

Miséria e inconsequência
Tônicas do tempo presente
Compaixão e benevolência
Virtudes inexistentes

Partir para novos rumos
Fugir deste mundo insano
Buscar amor, amizade

Voar pelo espaço sem fim
Com a certeza de não deixar
Nem sentir
Uma gota de saudade


                                            



quarta-feira, 17 de abril de 2019

SOCIEDADE SEM ESCRÚPULOS (Hélio Cervelin)



Autor: Hélio Cervelin

Nossa sociedade está cada vez mais permissiva e menos preocupada com a ética. É o que se pode afirmar, sem receio de errar, ao acompanharmos os acontecimentos diários de nossa  terra brasileira.
Tomando como base a educação que nossos pais e avós nos legaram no século XX,   é visível a deterioração dos costumes neste início do século XXI.
Aquele respeito aos idosos nas ruas ou no interior dos meios de transporte, aquela cerimônia respeitosa dos jovens, até mesmo as crianças, em relação aos professores parece estar desaparecendo aos poucos. Nossas autoridades perderam grande parte do prestígio que possuíam as mesmas autoridades em décadas anteriores.
O ensinamento bíblico que  prega o "comerás o teu  pão com o suor do teu rosto", tão observado por nossos antepassados, está cada vez mais negligenciado pela sociedade atual, exímia  praticante do "levar vantagem em tudo", especializando-se cada vez mais na lei do menor esforço. Lei esta, aliás, que quando aplicada à produção, às vendas ou às tarefas do dia a dia e nos limites da legalidade e da ética, apresenta-se como um artifício inteligente e louvável. Fora disso não  passa de uma artimanha totalmente reprovável,  por representar, via de regra, o famoso "ganhar sem trabalhar".
Diariamente, os noticiosos da televisão, os jornais e as demais mídias nos apresentam casos de  pessoas apanhadas pela justiça por praticarem atos ilícitos. Fraudes, falsificações, sonegações dos mais variados matizes obrigam os órgãos de segurança a manterem uma vigilância sem tréguas contra todos os tipos de ilícitos.
Mas, ainda falta citar a  pior parte: os próprios aplicadores da lei (policiais, autoridades civis e magistrados) também estão contaminados. Assim, o quadro fica cada vez mais preocupante e desanimador. A situação chegou a tal ponto que, quando alguma pessoa é surpreendida cometendo um ato justo chega a ser elogiada, homenageada.
Por mais que se reflita e se olhe para o horizonte buscando sinais de melhoria desse quadro desolador, nada se vê que nos dê esperanças concretas no curto prazo. Efetivamente, nossa sociedade está deteriorada, totalmente comprometida.
Mudanças urgentes se fazem necessárias. Leis e regulamentos existem até demais,  o que falta é a sua aplicação. Uma nova geração precisa assumir o poder. Algo precisa acontecer para que se inicie um novo ciclo em nosso país.
Enquanto um grande número de autoridades civis, militares e até eclesiásticas continuarem demonstrando o seu desprezo pelos escrúpulos e pela ética, nossa esperança de mudanças se vê obrigada a recolher-se, envergonhada, à espera de dias melhores.