quarta-feira, 10 de julho de 2019

MÚSICA NA MINHA VIDA Áurea Wolff (13 jun 2019)




Autora: Áurea Wolff

Entre o silêncio do meu pai, a tagarelice da minha mãe e eu, pequena, acontecia a rotina da nossa família.
Nas histórias contadas para mim, com muita  graça, por minha mãe, as canções da sua época eram repetidas em vários momentos. Aprendi e cantava com ela:

Pequeninha bem feitinha, delicada da cintura, 

Eu não sei que sorte é esta, que amor contigo não dura.

Amor contigo não da que és muito namoradeira

Por uma perdes as outras, viverás sempre solteira

Viverá sempre solteira quem muito amor faz desmancho

No fumeiro da cozinha dependurada no gancho.

Dependurada no gancho que a todos quer namorar

Se namorasse a mim só comigo tinhas casado.

Comigo tinhas casado eu ai estava disposto

Agora caso com outra por ser muito do meu gosto

Por ser muito do meu gosto e tanto do gosto dela

Vou dar meu coração a uma bonita donzela .


Aos cinco anos de idade fui para a escola, que ficava na frente da nossa casa. Aprendi todos os hinos ensinados pela professora:  Hino Nacional, Hino à Bandeira, Soldados da Pátria, canções religiosas e sertanejas. Cantava na escola e em casa.
À tarde, depois de fazer as tarefas, cantava sozinha sentada num balanço feito por meu pai, com uma corda pendurada no rancho, onde a Gersinha dormia. Cantava com toda a força  as canções que conhecia.
Passei a cantar no coral da igreja, aprendendo todas as músicas sacras e as acrescentava ao meu  ritual musical. Entre estudar, ler, escrever, ajudar minha mãe nas tarefas de casa, meus cantos estavam sempre como pano de fundo. Quando fiz o Segundo Grau, participei do coral da escola, e cantava em casa as canções que aprendia.
Hoje, voltando o meu olhar para aquele tempo da minha infância e adolescência, vejo a música como o meio de quebrar a solidão de uma casa, onde habitavam a dor e a saudade de tempos cheios de alegria. E eu tinha, de modo inconsciente, esta missão.
Vejo a música como uma sementinha que nasceu, cresceu e foi oxigenando a minha existência  com seus elementos renovadores, através dos reflexos educativos e sentimentais contidos no embalo dos sons e nas palavras belas das letras.
Cresci, casei e, de repente, tinha 5 filhos pequenos para criar e educar. Recorri à música para fazê-los dormir, para canalizar sadiamente suas energias  e para dar leveza aos momentos mais conflitivos  e exacerbados.
Durante muito tempo  os eventos religiosos eram espaços onde liberava meus anseios e sentimentos, nas canções comunitárias nos encontros e nas igrejas que frequentava.
Houve um momento em que a música brotava entre lágrimas e soluços, forçada pela necessidade de  atender às necessidades de um ser pequenino, e servia ainda para aliviar  as tensões e a dor.
A música na minha vida nasceu no silêncio, cresceu na simplicidade, sobreviveu nas  dores e mantém sua magia  me impulsionando para dar vazão aos sentimentos através do canto.
Com o passar do tempo ela criou força  e se revela na alegria da caminhada  e na gratidão a Deus    pelo milagre do amor que dá sentido a tudo que nos rodeia.
Canto para expressar com toda a força minha gratidão a Deus pela vida, e para soltar a energia existente dentro de mim, que ainda teima em se espalhar pela imensidão do universo.

           
                                                         

MUNDOS PARALELOS (Hélio Cervelin, 09 Jul 2019)



Autor: Hélio Cervelin


Escrevo porque recebo dos céus
A inspiração clara que necessito
Luz da energia do espaço sideral
Para fazer do meu verso o mais bonito

Poetas, inspirados artistas, líricos cantores
Abençoados com a grande sintonia
Embriagam-se de sonatas e louvores
Para alcançar a mais linda melodia

O ato de amar nos inspira mais e mais
E ao pensar em ti esse amor me fortalece
E os cânticos jorram em cascatas, turbilhões
Quando cai a tarde ou quando dia amanhece

Feliz é aquele que tem olhos para ver
Que a natureza canta e resplandece sem cessar
Põe-se então o poeta a escrever
Tecendo rimas, fazendo cantigas ao luar

De onde virá tão  profunda inspiração
Tantos sussurros de paixão, sublime loucura
Tantos poemas do mais intenso amor
E as tão copiosas lágrimas de ternura?

Escrever, amar, rir, chorar e cantar
É a minha sina neste lapso de vivência
Saio de mim,  para me encontrar contigo
Na eterna busca da  perene imanência

Ser feliz, triste, sereno ou desesperado
Nesta nostalgia que comove o meu ser?
Há momentos em que é impossível afirmar
Se o melhor é ficar, partir, viver ou morrer

Como será o amor nesses recantos
De estrelas cintilantes e universos sem fim?
Quero sentir de todos a mais pura essência
E lhes imploro, não deixem de esperar por mim.


domingo, 30 de junho de 2019

CULTURA DA VIDA (Áurea Wolff)



Autora: Áurea Wolff

Lendo o Antigo testamento e os Evangelhos, consigo entender a dimensão da reviravolta no olhar do mundo  para o sentido da existência, há dois mil anos.
O Antigo Testamento mostra a busca do homem para organizar-se  e elaborar leis que facilitassem a convivência entre as pessoas e os povos, através dos elementos brutos que a natureza oferece, guiados pela crença em um poder superior.
Estas leis visam a orientar e dar caminho para os seres humanos, no sentido de sobreviver  aos  revezes dos  rudimentares costumes e conhecimentos da época. Era o  homem procurando  enfrentar os desafios da precariedade  do momento.
Eram leis para penalizar o infrator, desde pequenos castigos  a até mesmo com a morte. Para a proteção à saúde, regras para afastar os contágios, possíveis causadores de  doenças, assim como o jejum, capaz de aliviar as tensões físicas, a abstenção de certos alimentos, e ainda oferecer espaço para a reflexão e o silêncio interior. Nas guerras para defesa de seu território o prêmio  eram os despojos para o vencedor.
Os Dez Mandamentos abrem uma visão mais clara  no cumprimento das leis, de como deve ser o comportamento do ser humano para conviver em comunidade, necessidade essencial  de todos.
Pinçando os dez mandamentos do sentido religioso, estas leis são os fundamentos da justiça universal.
Só o primeiro mandamento manda amar a Deus:
      Amar a Deus sobre todas as coisas
O segundo, o terceiro e o quarto mandamento, mandam Respeitar:
      Não jurar seu Santo Nome em vão  - respeitar a fé e as crenças;
      Guardar domingos e festas de guarda – respeitar o limite do seu corpo e de sua mente;
      Honrar pai e mãe  -  respeitar os pais que o trouxeram ao mundo;
Os outros seis mandamentos são as Determinações proibindo atos que prejudiquem as outras pessoas:
      Não matar;
      Não pecar contra a castidade;
      Não roubar;
      Não levantar falso testemunho;
      Não desejar a mulher do próximo;
10º    Não cobiçar as coisas alheias.
Jesus chegou e disse: eu não vim para abolir as leis. Eu vim ensinar algo mais que as leis. Eu vim ensinar o amor. O meu jugo é leve. Viver o amor é leve, traz paz  e alegria. Ele nos mostra a essência da vida. Ele não só ensinou o amor, mas viveu este amor: esteve ao lado dos que sofriam, dos marginalizados, dos doentes; curou e teve misericórdia com todos, e ainda perdoou seus algozes.
Ao aprofundarmos a análise de alguns mandamentos podemos tem uma melhor noção da sua amplitude social, conforme veremos, a seguir.
      E acrescenta ao quinto mandamento: a lei é não matar  -   Não matar é o cumprimento da lei.
         O amor é dar vida: acolher, perdoar, sorrir, valorizar, abraçar, cumprimentar, escutar.
   Não pecar contra a castidade é a lei. O  amor é valorizar a si mesmo e aos demais na sua            sexualidade.
     Não roubar é a lei. O amor é ser honesto consigo mesmo e com os outros. É dividir, desapegar-        se,  pagar o que se deve, pagar com justiça o trabalho de quem serve.
      Não levantar falso testemunho é a lei. O amor é  falar a verdade,  é assumir a responsabilidade          pelos seus atos.
      Não desejar a mulher do próximo é a lei.                                                  
10º    Não desejar as coisas alheias é a lei.  O amor é agradecer  pelo que se tem e pelo que se é.
Antes de  morrer, Jesus deixou seu corpo e seu sangue na Eucaristia. Deixou-se do modo mais
humano entre Ele e nós.  O corpo e o sangue. E na Eucaristia deixou sua alma. Na sua vida deixou o amor; na Eucaristia deixou sua alma.
Deixando-nos, assim, a CULTURA DA VIDA.
         


          
         

segunda-feira, 24 de junho de 2019

A TERRA COMO CÁRCERE COLETIVO ( Hans Wiedemann)


Autor: Hans Wiedemann

Desembarcamos no Planeta
Por nosso desejo pessoal
Procurando poder ajudar
Ou vivenciar ações passadas
Sempre como oportunidade.

A Terra tem todos os recursos
Para desenvolvermos as ações
Sempre beneficiando muitos
Além de nós mesmos
Bastando boa vontade.

Precisamos seguir as regras
Que forjam a materialidade
Transformando os recursos
Dando-nos conforto e lazer
De participar da Sociedade.

Cada um de nós tem seu tempo
De ilusões no Planeta
Permitindo a evolução
Podendo fazer o melhor
Dentro da nossa mente.

Somos todos diferentes
Para o nosso bem-estar
Ajustando o nosso tempo
Segundo as nossas ações
Sempre pensando no Divino.

Visite o meu  blog http:\\vamospensaravida.blogspot.com.br

quinta-feira, 20 de junho de 2019

CORPUS CHRISTI (Hélio Cervelin, 20 jun 2019)


 

Autor: Hélio Cervelin

Produto da terra bruta, matéria prima do chão
Meu corpo é minha imagem, visível pela aparência
Com ele eu posso te ver e me mostrar também
Oportunidade de vida, amor e convivência

Invólucro deste meu ser, minha mente e emoção
Expressa uma mensagem de luz e de transparência
É uma forma de criar,  amar e fazer o bem
Que embala todo meu ser em ação e consequência

Meu corpo é uma joia que foi doada por deus
E minha vida sem ele perderia o sentido
Recebido de herança será doado aos meus
Com ele posso amar, cantar, falar, ser ouvido

De humanidade tosca, objeto moldado na lama
O teu corpo transformou-se na expressão de quem me ama
E se não fosse por ele, tão gracioso e delicado
Eu não sentiria o encanto que sinto estando ao teu lado

Escravo neste planeta, onde não posso voar
Invejo os pássaros errantes, felizes, pairando no ar
Valho-me de máquinas e truques pra enganar a minha mente
E faço viagens fantásticas, estando no mesmo lugar

Até Cristo se valeu de um corpo material
Para trazer a Boa Nova para quem quisesse ouvir
E pregar sua mensagem da lei do Bem contra o Mal
E mapear nosso caminho pra viagem do porvir

Sei que no gozo dos céus eu não preciso de corpo
Pra me expressar como faço, aqui nesta dimensão
No vácuo da antimatéria poderei tudo fazer
Sem amarras, serei pleno, planando na imensidão

Junto ao Pai posso sorrir e viver eternamente
Em coro cantar com os anjos belas canções de louvor
E viver a plenitude com a qual sempre sonhei
Sem jamais chorar, sofrer ou voltar a sentir dor

Enquanto ainda não chega a minha hora final
De abrir mão desta matéria e devolvê-la ao chão
Fica comigo e me ame com ternura celestial
Beijos, suaves carícias e muito amor no coração.



sexta-feira, 14 de junho de 2019

LEONARD COHEN (1934-2016) (Delva Robles)



 Autora: Delva Robles

Hallelujah –  hallelu (louvar) + Yah ou Jah (Deus )

Leonard Cohen   nasceu em Montreal no Canadá (1934-2016), era poeta e escritor.  
Ao musicar suas poesias, tentava apenas encontrar uma forma de sobreviver de sua arte. A música Hallelujah  – Louvar a Deus em hebraico - é uma das mais belas composições  já existentes.  Há codificado nos seus versos, diversas passagens bíblicas e parece que a figura principal é a presença   de Davi, “o rei que compunha e tocava harpa para o Senhor” (e sempre que atormentava Saul, David tomava a harpa e tocava). (Samuel 16,23).
Davi era poeta e músico como ele e compôs a maioria dos salmos (do grego, música) dos quais nunca se soube a melodia.  Davi   tirava os sons de riachos, das matas e da natureza a sua volta, e quando era jovem e pastoreava as ovelhas, conta-se que dialogava com elas.    Penso que ele   Leonardo Cohen entrou profundamente na história de Davi.     
Lendo um pouco mais sobre Davi, e diante de minha ignorância nos assuntos bíblicos, me encanto também com ele. Releio o salmo 23 – O senhor é meu pastor, nada me faltará.  Teria esse salmo qual melodia?  Percebo que Leonardo Cohen foi muito além do   que codificou na música Hallelujah, algo além de nossa percepção, e somente quando a ouvimos a absorvemos.  Teria ele captado neste mergulho profundo na vida de Davi   o som de sua música? De sua  harpa?
Leonardo Cohen compôs mais de uma centena de músicas lindíssimas que nos alentam a alma. Uma delas fez especialmente para sua companheira, Marianne, que morreu antes dele e soa mais como um lamento de profunda dor e solidão. Em um dos versos ele diz:  So long Marianne I forget to pray for the angels  and then the angels forget to pray for us (até breve Marianne - já estou indo também - esquecemos-nos de pedir proteção aos anjos e eles se esqueceram de nos proteger)
So long Leonardo. Poucos são aqueles que conseguem essa conexão e derramam sobre a humanidade seu talento. Todos poderíamos, mas estamos distraídos demais com o colorido da vida para percebê-lo.
So long  Leonard.... se todos como você , exercêssemos nosso talento , o mundo seria bem melhor.”We would be happy.”

Hallelujah
( "e ele pegava sua harpa e elevava a voz em louvor a Deus".).

Penso que talento é isso - é como se descobríssemos aquele Black Holes (buracos negros) e nos comunicássemos com Deus diretamente.    

 Bem, ouvi dizer que existia um acorde secreto
Que Davi tocou e alegrou o senhor
E vai assim, a quarta, a quinta
O menor cai e o grande ascende
O rei frustrado compondo Aleluia

Aleluia, aleluia, aleluia, aleluia

Sua fé era grande, mas precisava de provas
Você a viu banhando-se no telhado
Sua beleza ao luar derrubou você
Ela te amarrou em sua cadeira da cozinha
Ela destruiu seu trono, ela cortou seu cabelo
E dos seus lábios ela tirou o Aleluia

Aleluia, aleluia, aleluia, aleluia

Querida, eu já estive aqui antes
Eu já vi este quarto e já andei nesse chão (você sabe)
Eu costumava viver sozinho antes de te conhecer
E eu vi sua bandeira na arca de mármore
Amor não é uma marcha de vitória
É um frio e sofrido Aleluia

Aleluia, aleluia, aleluia, aleluia

certa vez você me mostrou
O que realmente se estava a passar
Mas agora você não me mostra mais, não é?
Mas, lembre-se de quando me instalei em você
E o Espírito Sagrado também se instalava
E toda respiração que nós puxávamos era aleluia

Aleluia, aleluia, aleluia, aleluia

Talvez haja um Deus lá em cima
Tudo o que aprendi com o amor
Foi como atirar naquele que desarmou você
E não é um grito que podes ouvir a noite
Não é alguém que tenha visto a luz
É um frio e sofrido Aleluia

Aleluia, aleluia, aleluia, aleluia

Você diz que eu tirei o nome em vão
Eu nem mesmo sei o nome

Mas se eu fiz, bem, realmente, o que é isso para você?
Há um clarão de luz
Em cada palavra
Não importa o que você ouviu
O santo ou quebrado Aleluia

Aleluia, aleluia, aleluia, aleluia

Eu fiz o meu melhor, não foi muito
não podia sentir, então eu tentei tocar
Eu disse a verdade, eu não vim para te enganar
E mesmo que
Tudo deu errado
Eu estarei diante do Senhor da Canção
Com nada mais em minha língua além de Aleluia

Aleluia, aleluia, aleluia, aleluia










quarta-feira, 12 de junho de 2019

SUPERAÇÃO (Elizete Menezes)


 Minha foto
Autora: Elizete Menezes

Era uma menina nascida no interior, originária de uma família humilde, criada na roça, no meio de animais e plantações de amendoim, aipim, café...
Nos dias de colheita lá estava eu, em cima dos montes de amendoim. Meu pai lá me colocava, enquanto ele, minha mãe, meus irmãos e vizinhos descascavam o cereal.

Muito pequena, mas feliz, eu era a garotinha que acompanhava a família em seus afazeres. Era a caçula de sete irmãos e temporã. ”Temporona", como diziam lá no interior.

Menina alegre, eu gostava de estar junto de todos, e me fazia presente no engenho com minha mãe, raspando a mandioca pra fazer a farinha. Enquanto minha mãe fazia a raspagem, eu observava  o boi no cabresto a rodar o moinho para que á farinha fosse processada, enquanto a tafona era tracionada pelo animal andando em círculos.  E não era só isso: eu também gostava de ir até a fonte com minha mãe para lavar roupas, e ficava observando muitas mulheres ajoelhadas ali a lavar.  Eu me encantava e até me assustava com os sapos e as cobras d'água  que às vezes ali apareciam. Era uma garotinha do interior que, como tantas outras, cresceu numa região que não  tinha energia elétrica e nem água encanada. O abastecimento para o consumo vinha de poços  artesanais.

Naquela época, as residências tinham o seu  poço nos fundos do quintal. A água era tirada com um balde e com ajuda de uma corda.  A luz era de velas ou "pombocas", que era como chamavam a um tipo de lâmpada (lampião), que funcionava com querosene. Televisão e geladeira eram praticamente desconhecidas; rádio? Apenas um do tipo que só funcionava com pilhas e pelo qual minha mãe acompanhava as novelas, ouvia música e se entretinha durante os afazeres de casa.

Essa menina do interior foi feliz e também foi triste; dormia com medo, acordava assustada;  era difícil a situação, mas nunca passou fome nem frio. Seu pai, aposentado muito jovem da mina de carvão, trabalhava como vendedor de peixes de, casa em casa, nas ruas da cidadezinha,  com sua carroça puxada pelo seu belo cavalo, pra dar conta de sustentar sua família. 

A mamãe cuidava dos afazeres da casa, da horta, das galinhas. Era uma chácara grande, com pomar, muitas frutas: laranjas, bananas, goiabas, pitangas, limões. E a horta da mamãe era muito bela: salsinhas, cebolinhas e tantos outros temperos, tudo cuidado com muito carinho.

A noite sempre chegava cedo, e  a escuridão era sempre iluminada pelas estrelas na época de tempo firme, e pelas belas luas: cheia, minguante, crescente, nova. O céu sempre foi uma atração para essa menina que contava as estrelas, que se encantava com cada lua avistada ao longe. Ela, sempre muito saltitante e feliz, brincava de tudo e com todos. Tão pequena e com medos constantes!

Seu pai era seu herói, mas muitas vezes o via como um  monstro; sua mãe, a heroína sofredora que apanhava por não obedecer ao machista do seu esposo; que sofreu calada uma vida toda; que nunca reclamou, e que era massacrada, e muitas vezes na rua foi jogada; que dormiu ao relento, e que, muitas vezes, a estrebaria foi seu abrigo. Mas a menina não saía do lado dela. E ela era tão pequenina, e suas lembranças mais fortes  foram gravadas entre os seus cinco e os oito anos de idade. As brigas se sucediam, e ela estava sempre  presente: acudiu, socorreu e protegeu, impedindo que o mal maior acontecesse.  Mas era seu pai, e os sentimentos se misturavam. E assim o tempo passou. Seus irmãos, crescidos, cada um procurou seu destino. 

Até que, certo dia, uma das irmãs fez uma proposta para o pai e para a mãe.  Ela morava em uma cidade grande, e os convidou para irem morar com ela e os demais irmãos, argumentando que já era tempo de mudar de vida. Era tudo que a mamãe queria. Algum tempo depois, mamãe convenceu o meu pai e colocaram tudo à venda. E partiram pra cidade grande, onde já havia luz, água, TV e geladeira. Que sonho! Mas não tinha mais cavalo, carroça, charrete. Os tempos eram outros.

A menina de 9 anos veio primeiro, com a irmã, pra cidade grande, pra casa nova, tudo novo: novos amigos, nova escola, uma nova vida. E seus pais vieram depois. No começo o pai estranhou porque o seu lugar sempre foi o interior, mas a mãe estava rejuvenescida, alegre, uma vida que certamente sonhou ter algum dia. E eles não brigavam mais, saíam juntos, visitavam lugares, procuravam casas para comprar. Senti que ele só se realizou quando comprou a casa para a família.

Era uma casa humilde, pequena, mas em um bairro bom, em vista da que tinha no interior. Mas era deles. Foi um bom pai. Não foi um ótimo marido, mas foi assim que ele foi  criado, pra ser o macho, o comandante. Na época deles a criação era outra. A mãe, uma guerreira, obediente e sofredora, mas que ficou ao lado dele até que a morte os separasse.  Ele viveu pouco, 54 anos, um jovem velho da época. Foi muita luta, muito sofrimento, trabalhou no pesado. 

A menina perdeu o pai aos doze anos, com lembranças de uma infância conturbada, mas um pai que dava carinho, que dava colo, que ela amava. E foi uma perda, a primeira perda. Teve que lidar com  a saudade, já desde nova. Muitos sonhos, muitos choros, muita dor. As lembranças vinham e a menina tentava apagá-las, porque só queria era perdoar seu pai, ele foi bom pra ela.

Foram tempos de conflito interno, de saudades de tristeza. Mas ali estava sua rainha, sua guerreira, que cuidava com zelo dela e dos irmãos. Sua infância era outra, agora, já com outros amigos, outras brincadeiras. Mas foi saudável, foi muito intensa; a rua era de muitas crianças que brincavam todas juntas.

E o tempo passou, como tudo passa. A menina virou adolescente tímida, mas cheia de alegria, sorridente, cheia de vontades e caprichos, mas nunca esqueceu sua origem, sua essência. Menina adolescente que errou, acertou, estudou, se apaixonou muitas vezes; que namorou muito, dançou, curtiu sua adolescência.

Virou mulher e, depois de tantos amores e desamores, ela tornou-se mãe  muito jovem. Aos vinte anos, o primeiro filho, Darlan; o segundo filho ela o teve aos 23 anos, o Diogo. Algum tempo depois se separou.  Ficou sete anos separada do pai de seus filhos, e reataram. E então teve o  terceiro filho, Gabriel.

Uma tentativa que poderia ter dado certo, mas não deu. Quatro anos após o nascimento do  terceiro filho, separam-se.   E ela criou seus filhos com dificuldades. Sim, talvez tenha errado muitas vezes, por excesso de zelo, por amor, mas nunca desistiu, foi à luta. Poderia ter feito tudo diferente. Poderia, mas não fez.  E não se arrepende, porque aprendeu com sua mãe que não se deve se arrepender do que se fez, mas, sim, do que se deixou de fazer. 

Foi difícil, mas foi gratificante. Teve força e fé, cuidou da mãe até a morte, perdeu um filho pro acaso, ergueu-se da tristeza, levantou-se do abismo, e segue o caminho.

Hoje tem dois netos: Kamile e Diogo, razão essa pra tanta superação, pra tantos sorrisos frouxos. Razão para a qual não precisa explicação.

Viver é aceitar pra ser feliz, é ser feliz pra aceitar viver.