domingo, 21 de outubro de 2018

CANTIGAS DE PAPAI (Delva Robles)


Autora: Delva Robles


Era uma vez:  Uma cantiga
Iracema
Lá em cima daquele morro,
tinha uma bela morena,
que morreu envenenada,
se chamava Iracema.
Coitadinha da Iracema,
não tinha o que comer,
Coitadinha da Iracema
acaba de falecer

Papai era assim, toda noite antes de dormir, nós, as crianças menores deitávamos com ele na cama e ele cantava algumas cantigas para nós. Geralmente eram tragédias.  Eu dormia com essa da Iracema no cérebro ou outra pior ainda, que era assim:
 “Antonino  vai à escola
Não vou, mamãe, papai
Matei o pavão do mestre
Ele agora vai me matar”

Essa ultima estrofe desta canção me atormentava. Como assim, eu pensava!  Como ele (sujeito da oração), matou o pavão? E por que  matou o pavão? Um bicho tão lindo. Imaginava ele (ou seria eu?) correndo atrás do pavão com um pau ou cabo de uma enxada ou vassoura.  E agora? O diretor da escola vai me matar.  Não posso ir à aula de jeito nenhum meu Deus!  De que forma que ele quer me matar? Com o mesmo pau? Tinha pesadelos eu correndo e o mestre me perseguindo.
E a Bela Morena? a Iracema? Como será que morreu? Eu sempre achei que ela tivesse tomado formicida  tatu.  Isso acontecia muito quando uma moça solteira engravidava e o parceiro não assumia. De vergonha e para não sujar o nome da família a criatura tomava este veneno mortal.
Foi então que resolvi pesquisar na internet e nada achei da Iracema, mas  de Antonino e o Pavão do Mestre achei  e fiquei surpresa ao descobrir que esta era uma cantiga ensinada e cantada em brincadeiras de rodas infantis  nas escolas do Brasil  na década de 1940. Trata-se de uma narrativa portuguesa originária de Santiago do Cacém, região do Alentejo possivelmente surgida de uma história real. Eu havia me esquecido que  Antonino realmente é morto pelo professor, por isso todo meu pavor ao ouvir esta história antes de dormir. Existem diversas versões para esta música, compartilho a que melhor se adaptou à que eu ouvia de meu pai.
  
Antonino e o Pavão do Mestre
 Antoninho vinha da aula
com quatro pedras na mão
Atirou no passarinho e pegou foi no pavão
Atirou no passarinho e pegou foi no pavão
Mamãe eu não te conto, papai vou te contar.
Matei o pavão do mestre o senhor é que vai pagar
Matei o pavão do mestre o senhor é que vai pagar
Antoninho meu filhinho como matou o pavão
Brincando com minhas pedras quando o pavão voou
Encruzei minhas pedrinhas,
Sentou no pavão matou
Encruzei minhas pedrinhas,
Sentou no pavão matou

Mamãe eu não te conto, papai vou te contar.
Matei o pavão do mestre o senhor é que vai pagar
Matei o pavão do mestre o senhor é que vai pagar
Bom dia senhor mestre como vai como passou
Vim pagar o seu pavão que Antonino matou
Vim pagar o seu pavão que Antonino matou

O pavão não é nada não é nada não senhor
Quero que diga a Antonino amanhã venha estudar
Quero que diga a Antonino amanhã venha estudar
Papai eu não vou não
Papai eu não vou lá
Matei o pavão do mestre
O mestre vai me matar
Matei o pavão do mestre
O mestre vai me matar

Mamãe eu não te digo, mamãe vou te dizer.
Amanhã eu vou pra aula sabendo que vou morrer
Amanhã eu vou pra aula sabendo que vou morrer

Bom dia senhor mestre
- Bom dia senhor ladrão
Hoje vou fazer contigo o que fez com meu pavão
Hoje vou fazer contigo o que fez com meu pavão

O mestre matou Antoninho, pois embaixo do colchão.
A vida de Antoninho vale mais que a do pavão?
A vida de Antoninho vale mais que a do pavão? 

  
Saudades eternas de meu pai. Ouça a canção no link, abaixo.

https://youtu.be/hvcD5yvv3Cc

Um comentário:

  1. Havia um certo sadismo, e os antigos se divertiam vendo as crianças com medo.
    Parabéns pelo texto Delva!

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