Autora: Elizete Menezes
Passei toda a minha infância no litoral, no bairro Vila Nova,
na cidade de Imbituba, SC.
Naquela época, tirava notas azuis e
morria de medo de notas vermelhas no meu boletim. Tinha que ser acima
de 7. Morava com os meus pais e irmãos, vivíamos da pesca,
plantação de mandioca, feijão, milho, amendoim, etc. Possuíamos
um engenho de farinha, próximo à nossa casa, onde fazíamos
farinha, beiju, cuscuz de amendoim e de farinha de milho, roscas de
polvilho. Minha mãe me levava para raspar a mandioca e comíamos
laranjas com farinha quentinha, feita na hora. Tínhamos melancia
fresquinha porque meu pai as colhia na roça e as colocava em um
balde dentro do poço de casa para refrescar.
Íamos a praia da Vila Nova de charrete. Tínhamos carroça puxada
por um cavalo, na qual meu pai saía para vender os peixes que
pescava. Tínhamos também cavalos, cabritos e coelhos que meu irmão
fazia a criação; das galinhas era a minha mãe quem cuidava,
colhendo ovos saudáveis. Também tínhamos cachorro e gato.
Os uniformes e material escolar eram comprados pelos nossos
pais com muito suor; o calçado era conga (uso obrigatório); não
tínhamos celular... As pesquisas de escola eram feitas em
bibliotecas da escola ou públicas e nas enciclopédias, porque lá
não havia energia elétrica, nem água encanada.
O trabalho era escrito à mão e na folha de papel almaço, a capa
era feita com papel sulfite.
Tinha dever de casa pra fazer, a Educação Física era de verdade,
tínhamos carteirinha pra dizer presente, ausente e atrasado e ainda
cantávamos o Hino Nacional no pátio antes de ir para a sala de
aula.
Na escola tinha o Gordo, a Magrela, a Branca Azeda, Quatro
Olhos, a Baixinha, a Olívia Palito, o Palitão, o Cabelo Bombril, o
Negão, o Piriquito, o Narigudo, a Girafa e por aí vai... Todo mundo
era zoado, às vezes até brigávamos, mas logo estava tudo resolvido
e seguia a amizade... Era brincadeira e ninguém se queixava de
bullying. Existia o valentão, mas também existia quem nos
defendesse. O lanche era levado dentro de um saco de pão pardo.
Era uma época em que ser gordinho (a) era sinal de saúde, e
se fosse magro, tínhamos que tomar o Biotônico Fontoura. A frase
“espera aí, mãe!” era para ficar mais tempo na rua e não no
computador ou no celular.
Colecionavam-se figurinhas, bolinhas de gude, papéis de
cartas, selos! As brincadeiras eram saudáveis, brincávamos de bater
em figurinhas... e não nos colegas e professores. Adorava quando a
professora usava mimeógrafo e aquele cheiro do álcool tomava conta
da sala, Muitas vezes o xerox era no vidro da janela da sala de aula.
A rua era pra jogar bola, brincar de esconde-esconde, de
queimada, pular corda, subir em árvores, pique bandeira, tomar banho
na lagoa ou na praia, brincar nas dunas, brincar de carrinho de boi
de sabugo de milho, pular elástico; pique-esconde, taco, bilboquê,
jogar pião, brincar de polícia e ladrão; andar de bicicleta ou
carrinho de rolimã; soltar pipa; e ficar na rua até tarde. Muitas
vezes com a mãe tomando conta sentada no portão.
Comia na casa dos colegas, e quando chegava em casa tomava
esporro por isso (“Não tem comida em casa?”)♀
Não importava se meu amigo era negro, branco, pardo, rico, pobre,
menino ou menina, todo mundo brincava junto e como era bom. Bom, não,
era maravilhoso!
Que saudades desse tempo em que a chuva tinha
cheiro de terra molhada! Época em que nossa única dor era quando
passava Mertiolate nos machucados. Felizes em comparação com esse
mundo de hoje onde tudo se torna bullying.
Nossos pais eram presentes, mesmo trabalhando fora o dia todo,
educação era em casa, até porque, ai da gente se a mãe tivesse
que ir à escola por aprontarmos! Nada de chegar em casa com algo que
não era nosso, desrespeitar alguém mais velho ou se meter em alguma
conversa. Xiiii... Era um tapa logo ou só aquele olhar de "quando
chegar em casa conversamos” já sabia que eu iria apanhar.
Tínhamos que levantar para os mais velhos sentarem. Fico me
perguntando, quando foi que tudo mudou e os valores se perderam e se
inverteram dessa forma?
Pois foi exatamente assim que vivi minha infância. Claro que
tive um sorriso no rosto enquanto escrevia, relembrei de vários bons
momentos…
Quanta saudade, quantos valores, que para esta geração não
valem nada!
Sou grata por tudo que vivi e aprendi. Fui muito FELIZ!!!