Autor: Hélio Cervelin
Mentir faz bem? É uma necessidade?
Muitas vezes, sim, por estranho
que possa parecer; pois a mentira evita uma montanha de transtornos diários.
São explicações evitadas, constrangimentos superados, desencontros postergados,
comunicações simplificadas. A humanidade mente todos os dias, por conveniência,
por simplificação, para evitar sofrimentos e por muitos outros motivos.
Consideramos no grupo das mentiras
o silêncio, quando representa a omissão da verdade, e as verdades ditas pela
metade, as chamadas “meias verdades”, das quais a imprensa se vale a torto e à
direito. Costumamos dizer que a imprensa não mente, ela omite ou “se esquece”
de dizer a verdade quando deixa de reportar os fatos.
Por que as empresas da grande
mídia iriam hostilizar o ministro da Economia sobre sua política econômica nefasta
para a população, mas benéfica para si mesmos, para seus investimentos e os de
outros especuladores, seus clientes? Aí é o momento da omissão, o equivalente da
mentira.
Aquilo que alguém pôde ver não
precisa necessariamente ser reportado, especialmente se vir um cônjuge ser
infiel. O expectador não irá levar essa
informação para o outro cônjuge, por duas razões principais: a primeira, a boa
educação manda ser discreto; a segunda, aquela infidelidade poderia ser a
primeira e única e, se o traído não ficar sabendo, o casal permanecer em
harmonia para o resto de suas vidas.
Por coincidência estou vendo na
Netflix um filme italiano chamado A Vida Mentirosa dos Adultos, versando
exatamente sobre esse tema, no qual um comentário em relação a um casal provoca
a maior confusão familiar, separando dois casais.
Para amparar os discretos, existe
um provérbio árabe que diz:
Não diga tudo o que sabes
Não faças tudo o que podes
Não acredite em tudo que ouves
Não gaste tudo o que tens
Porque:
Quem diz tudo o que sabe,
Quem faz tudo o que pode,
Quem acredita em tudo o que ouve,
Quem gasta tudo o que tem;
Muitas vezes diz o que não convém,
Faz o que não deve,
Julga o que não vê,
Gasta o que não pode.
Proverbio Árabe
Poderíamos perguntar por que não
queremos ser o porta-voz de más notícias. Quando uma tragédia acontece, a pessoa
não vai avisar a família dizendo a verdade, assim, de chofre, pois pode
sujeitar a pessoa a sofrer uma síncope, causando-lhe a morte também. Então, a opção
é contar a verdade aos poucos, afirmando, inicialmente, que a pessoa teve um
mal-estar, está hospitalizada, assim testando a reação dos envolvidos,
aplicando a chamada “mentira piedosa”.
Dificilmente um filho revelará aos
pais que tirou notas baixas no colégio; uma enfermeira contará toda a verdade
ao paciente terminal; um professor dirá ao aluno o quão relapso ele é; o
namorado dirá a namorada tudo que aconteceu naquela festa na qual ela não
estava. Diz-se que, na guerra, onde morrem muitas pessoas, “a primeira vítima é
sempre a verdade”.
Nas relações humanas, a verdade dita
verdadeira nunca é falada; todo ser humano (quase todo) é movido pela compaixão.
Existem também as pessoas que gostam de fazer os outros sofrerem. Sendo assim, agem
sem dó nem piedade metralhando os semelhantes com mentiras violentas ou
verdades desesperadoras. Um vendedor, o político, o açougueiro, o banqueiro, o
médico também não falam a verdade completa, cada um com suas razões.
Se a verdade fosse utilizada integralmente
o tempo todo, o mundo estaria cheio de inimizades, conflitos e
desentendimentos, e já teria se acabado pela absoluta falta de convivência
pacífica.
Ao que parece, todo mundo acha
mais conveniente mentir ou deixar de informar. Somos dominados pela dissimulação. Se o que os olhos não veem o coração não sente,
também o que os ouvidos não ouvem o coração não sente.
Enfim, assim caminha a humanidade,
no mar de mentiras e falsidade, no fim das contas é melhor que seja assim, tanto
pra você quanto para mim, diz mais ou menos uma canção. “Mais ou menos”, até
porque não tenho compromisso com a verdade.
Sem falar na tese que diz que cada
uma tem a SUA VERDADE.