Autora: MARA LÚCIA BEDIN
Em dias de primavera, quando a chuvarada e o vento sul passam, a atmosfera fica limpa, o céu de anil, o jardim lavado, as flores esticam suas hastes e exibem as cores mais vibrantes, e a grama? Daquele verde, que não se consegue reproduzir... Dias assim, parecem sonhos reincidentes.
Foi num destes dias, que admirando o jardim, chamou-me a atenção um montinho de alguma coisa, sobre a grama. Em um primeiro momento pareciam folhas de árvores amontoadas, mas ao firmar o olhar, observei que aquele montinho fazia um movimento intermitente. Aproximei-me mais e descobri que era um filhote de passarinho. Havia algumas penugens naquele corpinho com os olhinhos ainda fechados. Que fazer com ele? Assim tão frágil! Procurei entre a árvore para ver se encontrava o ninho. Como se eu pudesse devolvê-lo. Fiquei em silêncio para ver se ouvia o piado de alguma mãe desesperada. Nada. Decidi, não vou deixar este passarinho aqui para servir de alimento para algum cão ou gato que perambulam pelo bairro. Já que ele vai morrer, pensei, então vai morrer no conforto, no quentinho. Eu o peguei com todo cuidado. Fiz da minha blusa uma conchinha para servir de ninho e o transportei. Já em casa, fiz com paninhos de flanela o que julguei seria uma cama mortuária confortável.
Na manhã seguinte, acordei acelerada. Tenho que me apressar, resolver o que vou fazer com o meu hóspede morto na área de serviço. Não vou colocá-lo na cesta do lixo. Vou embrulhar o corpinho? Não, vou colocar numa caixinha, e vou enterrar lá no jardim. Tenho que me apressar para não chegar atrasada no trabalho. Assim, depois do banho matinal fui rapidamente para área de serviço, levando nas mãos uma caixinha de papelão estampada com flores coloridas em tons pastéis para preparar o funeral. Mas, quando chego frente ao ninho... Onde está o meu hóspede? Começo rapidamente a procurá-lo. Acabo encontrando-o no vão entre o armário e o assoalho. Era uma figura meio bizarra, o filhote já ficava em pé sobre as pernas, as penugens eram raras espalhadas pelo corpo. Bem feinho, coitadinho, eu pensei na hora. Os olhinhos estavam abertos e quando me viram, abriu imediatamente o bico. A boca era imensa, desproporcional, diria. Nesta primeira troca de olhares deu se o print, passei a ser a mãe do meu amigo. Preciso alimentá-lo. Com que? Abençoadas bananas na fruteira ao lado. Ele vai ser vegetariano! Deu certo. Colocava pedacinhos pequenos de banana amassada, na boca, que aberta daquele jeito, era fácil acertar. A cada vez que eu passava em frente ao ninho de flanela, ele abria bocão e recebia mais uma porção pequenina de banana amassada.
Ele, agora batizado com o nome de Ozzy em homenagem a Ozzy Osbourne, compositor e vocalista da banda britânica Black Sabbalt, pois a essa altura ele já fazia piados musicais. Ozzy não poderia ficar só em casa, pois iria precisar de alimento. Então fomos trabalhar, eu, meu amigo, o ninho, e a banana. Fomos de carro. Lá o conjunto, ocupou uma cadeira na minha sala de trabalho. Em intervalos de tempos, devido à insistência dos piados de Ozzy, interrompia o que estava fazendo para alimentar este filhote. E assim aconteceu até a metade da tarde. Um colega de trabalho entrou em minha sala e espantado comenta: ‒ "Estou ouvindo um canto forte de sabiá aqui, vocês estão ouvindo?"
‒Sim, ele está ali naquela cadeira, só não sabia que era um sabiá! Respondi. "Um sabiá, não, uma sabiá, pois é uma fêmea. Cantora!" Completou meu amigo, depois de observar aquele o passarinho. Pensei, mas não ousei comentar: Então é uma fêmea, por isso tão forte e resistente. Diante da confirmação do gênero mudamos o nome da criaturinha para Elis.
Meu amigo, um ornitólogo, levou nossa cantora, pois entendia como cuidar de passarinhos nesta situação. A Elis, por sua vez, teve uma chance de sobreviver e voltar um dia, livre para a sua casa, a natureza. A mim, coube o ninho vazio e o print ao reverso.
No final da tarde, ao retornar para casa, entro no carro, ligo o rádio e ouço a música que toca: ”Mama I’m coming home, Mama I’m coming home, I could be right, I could be wrong...” composição e interpretação de Ozzy Osbourne. Passo os olhos rapidamente sobre o banco do carona e meus olhos encontram somente uma cestinha e duas flanelinhas coloridas.