quarta-feira, 11 de março de 2020

MINHA VIAGEM PARA O FIM DO MUNDO (Delvani Silveira)



Autora: Delvani Silveira

Chegamos ao aeroporto de Ushuaia  às 8 horas da manhã.  Viemos de um voo que saiu de Buenos Aires  e durou cerca de 3 horas e 30 minutos. O  Avião estava lotado.  Encontramos um aeroporto  bem movimentado. É o aeroporto internacional mais ao sul do mundo, que está situado na cidade mais austral do mundo como dizem os argentinos.  Tivemos a sorte de pegar um taxista  que gostava de conversar e foi nos mostrando e contando um pouco da história do lugar que estamos curiosos para conhecer.  O clima frio já nos mostra sua inconstância logo na chegada.  Frio sempre, embora fosse janeiro: 5°C  foi a temperatura média que pegamos por lá.  Chuva fina, sol ou tempo nublado com muitas nuvens e tudo pode mudar de uma hora para outra. A calefação em todos os ambientes encanta os brasileiros que lotam as cafeterias  e restaurantes da cidade. 
Ushuaia está localizada no extremo sul  das  Américas e  é de onde partem as expedições para a Antártica que fica à 1000 km de distância. Possui uma população de aproximadamente 60.000 habitantes. O nome provém do idioma indígena Yagan, USHU +AIA que significa Fundo + baia, ou seja, Baia profunda. O primeiro registro escrito da existência de Ushuaia  é de 1520, e  foi  feito pelo navegador português  Fernão  Magalhães,  que buscava um novo caminho para as Índias que não o obrigasse a contornar a África.
Chamou  a sua atenção as inúmeras fogueiras acessas nas margens do estreito  e  por isso  a batizou de  TERRA DE FOGO. Pouco depois se constatou  que eram nativos da ilha que viviam nus  e as fogueiras era o método que usavam para se manterem aquecidos.  A viagem  obteve o sucesso desejado, pois comprovou a existência  de um canal que ligava o Pacífico ao Atlântico e foi batizado com seu nome (estreito de Magalhães).  Até 1914, quando foi construído o canal do Panamá,  esta foi a principal rota de navegação entre os oceanos.
Em 1902, na tentativa de povoar esta região, o governo Argentino começou a construção de um  presídio.  Os próprios presos construíram o presídio. As dificuldades logísticas  eram imensas. O frio e a neve eram companheiros permanentes.  Para a extração de lenha de um bosque que ficava a  cerca de 25km de distância  foi construído um trilho de madeira onde pequenos vagões  com tração animal  carregavam pedra, areia e especialmente madeira. Somente em 1909  os presos puderam  usufruir desse transporte, quando os trilhos foram adaptados e uma locomotiva seria usada para levar e trazer os encarcerados. Para este presídio seriam  enviados   presos condenados por crimes brutais que eram reincidentes.  Nos anos finais de seu funcionamento, recebeu também presos políticos.
Havia um programa de alfabetização dos presos, pois a grande maioria era analfabeta e também recebiam um salário  pelo trabalho que  faziam na construção do  próprio presídio, nas oficinas  fabricando sapatos, roupas, artesanatos  ou cortando lenha no agora denominado parque Nacional  Terra do Fogo.  
Com a construção do presídio  vieram algumas empresas necessárias para a própria manutenção do presídio como uma alfaiataria, uma sapataria, um ateliê de fotografia, uma farmácia e mais tarde um pouco, vieram os bancos e  os hotéis. Assim começou a colonização deste ponto distante no mapa.
As fugas frustradas  fazem parte da história de Ushuaia.  Muitos  tentavam fugir, mas voltavam ou eram encontrados pelos soldados,  quase mortos  de frio e fome. Eram duramente castigados. O pior de todos os castigos era ficarem sem sair do presídio para trabalhar,  pois tinham que permanecer na pequena cela gelada sem comunicação com o mundo lá fora.  Após cumprir sua pena os presos, sem terem para onde ir, acabavam ficando por lá. Há relatos de muito sofrimento, maus tratos e tortura.  Em 1947  um decreto presidencial assinado por Juan Domingo Perón fechava o presídio,  alegando razões humanitárias.  Toda a estrutura do presídio foi então transformada em Base Naval. Hoje, há um museu marítimo que está inserido no antigo presídio e conta a história do próprio presídio e da cidade.
Trem do Fim do Mundo -   os trilhos que antes os encarcerados percorriam para cortar lenha, hoje foi reconstruído e reconstituído como era naquela época, e com uma réplica do trem fazendo os últimos 07 km do percurso, os milhares de turistas podem fazer este passeio na locomotiva  que solta muita fumaça e conta muita história.
A Navegação no canal do Beagle  é um passeio obrigatório.  Tem inúmeras opções de passeios como, por exemplo, ir até   a  pingüinera    e caminhar entre os animais, podendo  tirar  fotos com eles   ou navegar até o farol  passando por inúmeros  habitat de animais.  Além disso, pode-se mergulhar com guia no canal gelado ou dar uma volta de helicóptero.
Depois de Ushuaia  fomos até El Calafate  para visitar a maior geleira em extensão horizontal do mundo: o glaciar Perito Moreno, que se encontra constantemente em evolução.  Para visitar o glaciar é necessário ir de ônibus, ou de  carro,  partindo da cidade de El Calafate, que  dista 80km do glaciar.   O Parque Nacional dos Glaciares conta com inúmeras geleiras, entre  elas  estão Perito Moreno, Upsala, O`Nelli  entre outras, formando a 3ª  maior reserva de água doce do mundo, atrás somente da Antártica  e da Groenlândia. 
El Calafate era, a princípio, um ponto perdido no meio do gelo, que negociantes de lã de ovelhas deixavam depositados  ali   seus produtos.  A origem do nome é em homenagem a um pequeno fruto que dá na região, de nome calafate. Trata-se de um arbusto perene, sempre verde, que floresce de outubro a janeiro, dando  um pequeno fruto doce e escuro, que serve de  alimento e abrigo para os pássaros no rigor do inverno.
El Calafate possui um aeroporto moderno e inúmeras empresas de turismo. A cidade conta com 21.000 habitantes.  Lugar lindo, cidadezinha encantadora cravada no meio de montanhas de pedras com pouquíssima vegetação rasteira.  No  meio do nada surge esta  cidadezinha organizada, limpa, moderna, que irradia luz.  Estivemos lá em janeiro e o sol brilhava até  às 10 horas da noite.    
O que não gostei em Ushuaia? Bom... Sendo eu vegetariana, fiquei horrorizada com um  dos pratos típicos de lá  que é a Centolla.  Trata-se de um caranguejo gigante, que é encontrado nas águas gélidas daquele lugar e que pode pesar até 4 quilos.   Inúmeros restaurantes  mantêm enormes  aquários  com esses animais  vivos  para o   cliente escolher qual será a vítima.  Há filas de espera nos restaurantes.   Outro prato  típico é o Cordeiro Patagônico,  que, depois de abatido e preparado, é  assado  aberto e amarrado em varas próximo de uma grande fogueira, que geralmente fica exposta ao público.  Há também a Merluza negra, conhecida  também como bacalhau da profundidade e é encontrada especialmente nas águas geladas da Antártica. É um peixe  que pode ter até dois metros de comprimento e  pesar  mais de 100 quilos.
Para finalizar, de Ushuaia, ficou a lembrança do Canal Beagle, que ficava em frente ao meu hotel, com seus navios e barcos atracados, de seu clima inesperadamente surpreendente,  do  trem do fim   do mundo e das muitas  histórias do presídio, que foi o impulso para o nascimento de Ushuaia.  De El Calafate ficou a emoção de andar pelas passarelas  do Perito Moreno e  da  navegação  para chegar ainda mais perto daquele  paredão de gelo.  Foi uma emoção indescritível.

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