quarta-feira, 1 de agosto de 2018

O DIA EM QUE MEU MARIDO INFARTOU (Delva Robles )


Autora: Delva Robles

Era  um sábado de festa para mim e minha família. Minha sobrinha e afilhada Sandra iria se casar e seríamos padrinhos.  A cidade do casamento era Maringá, que fica a 70 km de distância de onde nós morávamos.
O casamento aconteceu no fim da tarde e início da noite, e os convidados foram recepcionados com um belo jantar, num ambiente propício para isso.  Familiares todos reunidos, vindo dos mais diferentes lugares, cheios de saudades, se abraçavam    felizes por se encontrarem, e conversavam alegremente.    
No final do jantar, enquanto era servida a sobremesa, abriu-se o espaço para a dança, e dançamos muito naquela noite.    Lembro-me de que havia um grande espelho que refletia os casais que dançavam, e dava a ilusão de ser um grande salão de baile. Eu estava usando um vestido longo de veludo de cor   vermelha, meio bordô, eu diria, e sapatos de salto alto, pretos, e algumas joias que enriqueciam a roupa.   No decorrer da noite mal eu sabia o quão inadequada me pareceria aquela roupa.
Eram mais de duas horas da madrugada quando decidimos nos despedir do pessoal. Antes de sair do clube meu marido mencionou que   estava sentindo muita azia. Dei pouca importância para isso e pensei que era apenas má digestão.
Reparei que o céu estava bonito, cheio de estrelas, era uma noite muito agradável. Subimos no carro, e antes de pegar a    estrada de volta pra casa, paramos para deixar nosso filho mais velho, na república onde morava, perto da UEM, pois ele estudava Engenharia Química lá em Maringá.    Enquanto meu filho levava parte de sua bagagem para o apartamento nós nos sentamos na beira da calçada em frente ao prédio sem nos importarmos com a poeira vinda do asfalto, a poucos metros de nós.
Quando estávamos todos sentados no carro novamente para seguir viagem, meu marido olhou para mim e disse: estou muito mal.  Surpresa com suas palavras repentinas e sabendo que ele nunca reclamaria se não fosse algo grave, trocamos de lugar, eu indo para o volante do carro. Em seguida tentei me localizar para saber qual hospital teria nas imediações onde estávamos. Por sorte estávamos muito próximos do hospital Santa Rita de Maringá.
Naquele momento veio à minha memória a lembrança de algo que li não sei bem ao certo se na revista seleções ou em um livro qualquer.  Era um depoimento de uma pessoa que teve um infarto e cujo primeiro sintoma foi a azia.   Meu marido era fumante, então logo liguei o botão do alarme.  
Era o ano de 1998 e os procedimentos cardíacos não eram tão populares como hoje. Meu marido estava bem de saúde. Havia feito uns exames de rotina e nada apareceu que indicasse algo no coração. Tinha 49 anos, era magro e tinha uma vida intensa de trabalho e envolvimento comunitário. 
Ao chegar ao hospital ele relatou ao médico plantonista ter comido pouco em um casamento e depois do jantar ter dançado bastante  e que estava com  muita azia e mal estar.   O  médico, especialista  em gastroenterologia,  que dava o plantão naquele momento foi chamado  e, ao  examiná-lo,  deu  o diagnóstico de má digestão, receitando um medicamento inserido no soro que estava sendo ministrado a ele naquele momento.
Quando fui autorizada a entrar na sala de emergência e me deparei com o rosto de meu marido, olhei em seus olhos e tive a certeza de que aquele médico estava enganado: havia uma palidez mortal em seu rosto.   Aquilo não poderia ser somente má digestão.
Desesperada, fui até ao balcão e pedi para chamarem um cardiologista com urgência. Tive que insistir com a recepcionista, que alegava que o paciente já tinha sido atendido e estava sendo medicado e eu deveria ter paciência. Ela só concordou em chamar o cardiologista quando eu disse que pagaria uma nova consulta particular para ele, mas eu tinha pressa! A história da azia e infarto que eu havia lido não me saía da cabeça.
Uma jovem cardiologista veio nos atender e parecia não ter pressa.  Enquanto colocava os fios do aparelho para fazer o eletrocardiograma nele, tentava obter informações sobre sua saúde, e parecia surpresa quando no eletro apareceu algo.
Então ela me disse:  “a tua intuição salvou teu marido...... ele está infartando”.   Foi chamada imediatamente a equipe intensivista do hospital e o levaram para o centro cirúrgico, onde fizeram o procedimento que, na época, era inflado com balão no lugar do entupimento.    Na hora do procedimento o médico descobriu que ele estava com outro entupimento grave na artéria que irriga a perna e que deveria fazer em seguida outro procedimento, pois correria o risco de perder a perna caso enfartasse  em lugares  sem recursos adequados.
Lembrei-me que ele ultimamente claudicava quando caminhava, e já havia ido ao ortopedista por causa da perna que doía ao andar, isso já era um grande sinal de entupimento da artéria que leva o sangue para a perna e que ninguém desconfiou, nem os médicos.  Também me lembrei de que ele não havia se sentido bem após a última doação de sangue e ficara deitado algumas horas em casa para se recuperar.  Fora isso, o grande vilão ali era o cigarro. Fumava em torno de duas carteiras de cigarro por dia.  Após o procedimento ficou cinco dias na UTI e diz que foi aí que deu os primeiros passos para deixar de fumar.   
Bom.... Descobrimos, através dos cateterismos que fez ao longo dos anos,  a existência de muitos outros entupimentos: além do entupimento nas coronárias, ele também tinha entupimentos  na artéria que irriga o braço, na artéria que irriga o rim, na que irriga a perna, nas carótidas  que vão para cabeça etc., e aos poucos  foram sendo solucionados todos os entupimentos. Alguns são monitorados, anualmente, até hoje.
Esta história me lembra do dito popular que apregoa que "quando algo tem que acontecer tudo colabora para isso".  Ele teve um infarto gravíssimo, e por obra do acaso, estava praticamente em frente a um hospital referência, com tudo o que havia de necessário e moderno para sua salvação.  Caso acontecesse em outro dia, nos muitos dias e noites onde ele viajava para o interior do Paraná a trabalho, não teria tido esta mesma sorte.  A artéria estava quase 100% entupida, o gatilho foram os passos e rodopios da dança, "mas poderia ter sido ao trocar um pneu na estrada ou ao levantar algum peso extra" nos explicou o médico.
De alguma forma o acaso nos protegeu naquele dia.  Estávamos no lugar certo, na hora certa para tudo acabar bem.

5 comentários:

  1. Parabéns pela boa memória ao recordar detalhes.Que noite aquela Meu Deus, até os santos se cansaram com tantas orações! Graças a Deus e a tua perspicácia ele está vivo e nos o amamos muito.

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  2. Parabéns, Delva, pela riqueza de detalhes e pela primorosa descrição dos fatos, ensejando uma narrativa perfeita.

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  3. NaN existe obra do acaso e sim a providência Divina

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  4. Parabéns Delva pela narrativa! Sei o que você passou. Senti na pele esses momentos angustiantes. Ainda bem que
    eles estão bem agora. Graças à Deus e aos médicos!

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  5. Grande narradora. os fatos relatados por vc é de grande ajuda tbem amiga. Realmete temos que está atento tbem .parabéns

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