Autora: Delva Robles
Era um sábado
de festa para mim e minha família. Minha sobrinha e afilhada Sandra iria se
casar e seríamos padrinhos. A cidade do casamento era Maringá, que fica a
70 km de distância de onde nós morávamos.
O casamento aconteceu
no fim da tarde e início da noite, e os convidados foram recepcionados com um
belo jantar, num ambiente propício para isso. Familiares todos reunidos,
vindo dos mais diferentes lugares, cheios de saudades, se
abraçavam felizes por se encontrarem, e conversavam
alegremente.
No final do jantar,
enquanto era servida a sobremesa, abriu-se o espaço para a dança, e dançamos
muito naquela noite. Lembro-me de que havia um grande espelho que
refletia os casais que dançavam, e dava a ilusão de ser
um grande salão de baile. Eu estava usando um vestido longo de veludo de cor
vermelha, meio bordô, eu diria, e sapatos de salto alto, pretos, e
algumas joias que enriqueciam a roupa. No decorrer da noite mal eu
sabia o quão inadequada me pareceria aquela roupa.
Eram mais de duas
horas da madrugada quando decidimos nos despedir do pessoal. Antes de sair do
clube meu marido mencionou que estava sentindo muita azia. Dei
pouca importância para isso e pensei que era apenas má digestão.
Reparei que o céu estava
bonito, cheio de estrelas, era uma noite muito agradável. Subimos no carro, e
antes de pegar a estrada de volta pra casa, paramos para
deixar nosso filho mais velho, na república onde morava, perto da UEM, pois ele
estudava Engenharia Química lá em Maringá. Enquanto meu filho
levava parte de sua bagagem para o apartamento nós nos sentamos na beira da
calçada em frente ao prédio sem nos importarmos com a poeira vinda
do asfalto, a poucos metros de nós.
Quando estávamos
todos sentados no carro novamente para seguir viagem, meu marido olhou para
mim e disse: estou muito mal. Surpresa com suas palavras repentinas e
sabendo que ele nunca reclamaria se não fosse algo grave, trocamos de lugar, eu
indo para o volante do carro. Em seguida tentei me localizar para saber qual
hospital teria nas imediações onde estávamos. Por sorte estávamos muito
próximos do hospital Santa Rita de Maringá.
Naquele momento veio
à minha memória a lembrança de algo que li não
sei bem ao certo se na revista seleções ou em um livro qualquer.
Era um depoimento de uma
pessoa que teve um infarto e cujo primeiro sintoma foi a azia. Meu
marido era fumante, então logo liguei o botão do alarme.
Era o ano de 1998 e
os procedimentos cardíacos não eram tão populares como hoje. Meu marido estava
bem de saúde. Havia feito uns exames de rotina e nada apareceu que indicasse
algo no coração. Tinha 49 anos, era magro e tinha uma vida intensa de trabalho
e envolvimento comunitário.
Ao chegar ao hospital
ele relatou ao médico plantonista ter comido pouco em um casamento e depois do
jantar ter dançado bastante e que estava com muita azia e mal
estar. O médico, especialista em gastroenterologia,
que dava o plantão naquele momento foi chamado e, ao
examiná-lo, deu o diagnóstico de má digestão, receitando um
medicamento inserido no soro que estava sendo ministrado a ele naquele momento.
Quando fui autorizada
a entrar na sala de emergência e me deparei com o rosto de meu marido, olhei em
seus olhos e tive a certeza de que aquele médico estava
enganado: havia uma palidez mortal em seu rosto. Aquilo não poderia
ser somente má digestão.
Desesperada, fui até ao
balcão e pedi para chamarem um cardiologista com urgência. Tive que insistir
com a recepcionista, que alegava que o paciente já tinha sido atendido e estava
sendo medicado e eu deveria ter paciência. Ela só concordou em chamar o
cardiologista quando eu disse que pagaria uma nova consulta particular para ele,
mas eu tinha pressa! A história da azia e infarto que eu havia lido não me saía
da cabeça.
Uma jovem
cardiologista veio nos atender e parecia não ter pressa. Enquanto
colocava os fios do aparelho para fazer o eletrocardiograma nele, tentava obter
informações sobre sua saúde, e parecia surpresa quando no eletro apareceu algo.
Então ela me disse:
“a tua intuição salvou teu marido...... ele está infartando”.
Foi chamada imediatamente a equipe intensivista do hospital e o levaram para o
centro cirúrgico, onde fizeram o procedimento que, na época, era inflado com
balão no lugar do entupimento. Na hora do procedimento o
médico descobriu que ele estava com outro entupimento grave na artéria que
irriga a perna e que deveria fazer em seguida outro procedimento, pois correria
o risco de perder a perna caso enfartasse em lugares sem recursos
adequados.
Lembrei-me que ele
ultimamente claudicava quando caminhava, e já havia ido ao ortopedista por
causa da perna que doía ao andar, isso já era um grande sinal de entupimento da
artéria que leva o sangue para a perna e que ninguém desconfiou, nem os
médicos. Também me lembrei de que ele não havia se sentido bem após a
última doação de sangue e ficara deitado algumas horas em casa para se
recuperar. Fora isso, o grande vilão ali era o cigarro. Fumava em torno
de duas carteiras de cigarro por dia. Após o procedimento ficou cinco
dias na UTI e diz que foi aí que deu os primeiros passos para
deixar de fumar.
Bom.... Descobrimos,
através dos cateterismos que fez ao longo dos anos, a existência de
muitos outros entupimentos: além do entupimento nas coronárias, ele também
tinha entupimentos na artéria que irriga o braço, na artéria que irriga o
rim, na que irriga a perna, nas carótidas que vão para cabeça etc., e aos
poucos foram sendo solucionados todos os entupimentos. Alguns são
monitorados, anualmente, até hoje.
Esta história me lembra
do dito popular que apregoa que "quando algo tem que acontecer tudo
colabora para isso". Ele teve um infarto gravíssimo, e por obra do
acaso, estava praticamente em frente a um hospital referência, com tudo o que havia
de necessário e moderno para sua salvação. Caso acontecesse em outro dia,
nos muitos dias e noites onde ele viajava para o interior do Paraná a trabalho,
não teria tido esta mesma sorte. A artéria estava quase 100% entupida, o
gatilho foram os passos e rodopios da dança, "mas poderia ter sido ao
trocar um pneu na estrada ou ao levantar algum peso extra" nos explicou o
médico.
De alguma forma o
acaso nos protegeu naquele dia. Estávamos no lugar certo, na hora certa
para tudo acabar bem.