domingo, 23 de setembro de 2018

ONDE ESTARÁ A FELICIDADE? (Hélio Cervelin, 1994)


 

Autor: Hélio Cervelin

Onde estará a felicidade?
Na mesa alegre de um bar
No gole da boa cerveja
Ou na beleza do luar?

Na cama quente da amada,
Na velocidade sem fim
No mergulho nas águas do mar
Ou no perfume do jardim?

Na rosa que desabrocha
No canto do passarinho
Na gota fresca do orvalho
Ou no beijo,  afago, carinho?

No brilho verde dos vales
No som estereofônico
Na velocidade na estrada
Ou no jato supersônico?

No sorriso da criança
No conselho do ancião
Na boa dose de esperança
Ou no delírio da ilusão?

Na serenidade do lago
Na leve brisa do mar
Na cachoeira, cascata
Ou na água fresca a jorrar?

No terno caro e elegante
No escritório, na boa vida
Nos poderes sem limites
Ou na submissão desmedida?

Se alguém souber a resposta
Que me esclareça  por fim
E quem souber, por favor,
Traga a resposta pra mim.

segunda-feira, 17 de setembro de 2018

DILÚVIO DE FLORIANÓPOLIS - A arrasadora enchente de 1995 (Hélio Cervelin)


Autor: Hélio Cervelin

Era 24 de dezembro, véspera do Natal de 1995, e eu estava com minha família no apartamento da cunhada Anna Maria, no centro de Florianópolis, esperando a chegada dos demais familiares para  a ceia do Natal.
Desde a manhã, a chuva caía sem parar, numa intensidade assustadora. Parecia que São Pedro abrira totalmente as "torneiras do céu" e esquecera-se de fechá-las. O alerta de que a situação estava ficando grave veio através do nosso sobrinho, Vicente, que chegou ao apartamento por volta das 21 horas, com a roupa toda ensopada, narrando o que vira ao atravessar a Avenida Othon Gama D'Eça: água chegando até o peito, enxurrada violenta, pessoas assustadas pelo caminho, correndo de um lado para o outro tentando se proteger enquanto fugiam do alagamento que havia tomado toda a avenida.
Percebendo que o "mundo estava desabando", minha esposa e eu, acompanhados  das três filhas, todas menores,  decidimos voltar para casa antes que as coisas piorassem, sabedores de que nossa casa estava em risco por estar localizada em um bairro vulnerável. Então embarcamos no Corsa Azul Van Dyke novo e rumamos para o  Bairro Santa Mônica.
Logo na saída para a Beira-mar Norte notamos que a situação estava trágica: água por todos os lados, pistas inundadas, filas de automóveis vagarosos subindo em calçadas. Os motoristas  desviavam dos carros pifados pelo caminho. E não eram poucos. Um caos total.
Decidimos sair dessa avenida, por considerá-la muito baixa, e tentamos um novo trajeto pelo Bairro Agronômica, uma área mais elevada. Por diversas vezes subi na calçada para desviar da correnteza e das poças de lama.  Em alguns momentos tive que engatar marcha à ré para tentar um caminho menos alagado, desviando dos obstáculos que boiavam pelas ruas inundadas. Chegamos a ver um homem seminu correndo, numa movimentação desesperada de pedestres, buzinas incessantes, loucura total.  
Minhas filhas entraram em pânico e começaram a gritar de pavor. Nunca me arrependi tanto por ter saído de casa e entrado nessa perigosa aventura. Tratei de acalmá-las e buscar alternativas para retornar ao centro, sem saber se iria conseguir.
Todos os obstáculos que eu havia ultrapassado precisei superá-los no retorno. A cada manobra que eu fazia o pânico aumentava, sempre achando que a qualquer momento o meu automóvel afundaria em algum buraco, obrigando-nos a abandonar o veículo no meio da inundação para sair a nado pelas ruas, sujeitando-nos a sermos arrastados pela correnteza.
Conseguimos avançar até ultrapassar o Palácio da Agronômica, já no bairro Trindade, mas as poças d'água eram tantas e tão grandes que decidimos parar. E, por quase um milagre, conseguimos retornar ao nosso ponto de partida, o apartamento do qual havíamos saído, numa atitude imprudente, agora o sabíamos. Passamos uma noite tensa, com a chuva que nunca  parou uns instante sequer, sempre com intensidade máxima, até que, no dia seguinte pela manhã,  finalmente. pudemos chegar a casa.
A chuva havia dado uma trégua e o sol começava a mostrar seus raios meio envergonhados. Ao adentrarmos ao quintal de casa, nossa cadela Lili veio ao nosso encontro, desesperada e apavorada, mas sentindo-se aliviada pela nossa presença. Parecia querer nos contar em um minuto todas os traumas e medos pelos quais passara, sozinha em casa, sem ter a quem recorrer, e apoiando-se sobre uma mesa de brinquedos, na garagem dos fundos.
Minha casa ficou totalmente inundada. A água chegou a atingir a altura de 60 centímetros. A geladeira e o freezer estavam recostados à parede da cozinha, em 45 graus, mas ainda funcionando. Nada mais havia a fazer a não ser arregaçar as mangas e começar a remover os colchões, abrir os roupeiros e retirar tudo de dentro, verificar as comidas atingidas na despensa, as panelas enlameadas. A lama tomara conta dos pisos, carpete, tapetes e cortinas. E os meus discos de vinil? Uma lástima!

Enchentes
A dor e desespero de quem “não tem nada”
Perder tudo
O choro a lagrima, a alma abalada
O fim do mundo

O sentimento de solidão é avassalador
Cada batida do coração, o peito sente uma dor
Bem lá no fundo,
 e agora reconquista tudo de novo
Mostrando mais uma vez a força do povo
Respire fundo,
e mantenha a cabeça erguida
Tudo que é material pode ser conquistado enquanto se tem vida.

                                                  Autor: Vinicius Alceu

Munidos de mangueira, baldes, vassouras, rodos e panos  pusemos mãos à obra. Contando com a valiosa ajuda do amigo Dalazen e dos parentes, dentre os quais Éldio e Badina,  começamos a faxina, enquanto o sol brilhava lá fora. Mas o tempo não estava firme.
O trabalho transcorreu incansável, e todos sempre de olho nas nuvens, que pareciam querer nos fazer alguma surpresa a qualquer momento.
Era  perto das 13 horas, o piso já estava limpo, quando o tempo, após trovejar e fazer cara feia por diversas vezes, desabou novamente em uma chuva torrencial e ininterrupta, formando correntes de água próximas às calçadas, crescendo cada vez mais feito córregos deslizantes. E o nível das águas começou novamente a subir, aproximando-se aos poucos da casa, até começar a inundá-la mais uma vez. A vizinhança estava alvoroçada, cada um tentando salvar seus pertences. Havia um automóvel amarrado por uma corda a uma árvore, pois ameaçava deslizar rua abaixo.
Desesperados  perante a ameaça de nova invasão da lama, empunhávamos os rodos disponíveis e  os movimentávamos vigorosa e repetidamente, empurrando as águas de volta, porta afora. Após alguns minutos de pânico as chuvas amenizaram e as águas começaram a afastar-se, baixando gradualmente.
Lembro-me de alguns comentários da época afirmando que houve trinta e seis horas ininterruptas de chuva torrencial sobre a região da Grande Florianópolis. Foi a maior enchente que a capital sofreu. Muros desabaram, árvores caíram, havia lama por todos os lados! Uma  paisagem de guerra! A Rua José Boiteux, próxima ao Morro da Mariquinha, virou uma grota devido à erosão que levou tudo para a Avenida Mauro Ramos. Cinquenta municípios da região foram atingidos, gerando 28 mil desabrigados, provocando 40 mortes.
Ao consultar, hoje, um jornal daquela época, constatei a seguinte informação:

"Além da precipitação acumulada – das 9h do dia 24 até as 10h do dia 25 choveu cerca de 165 milímetros, acima da média mensal, que era de cerca de 140 milímetros –, outros fatores contribuíram para que o resultado fosse tão trágico. A chuva incessante coincidiu com a maré alta e a falta de manutenção de galerias pluviais e de limpeza de rios, tanto que lugares historicamente preservados de enchentes – como a cidade de Palhoça, acabaram submersos. Em Florianópolis, as regiões mais atingidas foram Trindade, Agronômica, Itacorubi, Saco dos Limões e Centro. Na madrugada do dia 25, as rodovias SC-401 (para o norte da Ilha) e SC-404 (para o sul), foram interditadas."  
(http://www.tudosobrefloripa.com.br/index.php/desc_noticias/20_anos_depois_ifsc    _relembra_enchente_de_1995_que_matou_tres_e_alagou_a_reg)

Muito se perdeu: móveis, roupas, livros, alimentos, prédios públicos, casas, e vidas humanas. Mas ficou uma lição: não se pode negligenciar jamais com a natureza. É preciso respeitá-la e entender a sua lógica para evitar sofrimentos.


domingo, 16 de setembro de 2018

SETEMBRO (Hans Wiedemann)



Autor: Hans Wiedemann

Em Setembro se inicia o calor,
Coincidindo com a Primavera,
Estimulando as flores a desabrochar,
Mostrando as suas belezas,
Colorindo a Natureza.

Pelo calendário Romano,
Temos quatro semanas,
Precisando de mais dois dias,
Para completar o seu Mês,
Tendo sido mês da independência.

Caminhamos assim para o término,
De mais um ano de atividades,
Pouco significando para o infinito,
Mas muito para a vida humana,
Que tem tempo limitado.

A primavera é o renascimento,
Fazendo parte do ciclo,
Criando novas expectativas,
Preparando o nascimento do filho,
Que veio nos trazer paz.

O Homem no seu primitivismo,
Lhe deu vida curta,
Por ter questionado o Poder,
De quem se achava o Dono,
Deste planeta temporal.

Hans
Leia o blog         http:\\vamospensaravida.blogspot.com.br


terça-feira, 11 de setembro de 2018

VEREDAS DOS ANJOS (Hélio Cervelin, 09 Set 2018)


Autor: Hélio Cervelin

Pelas veredas da vida, vou caminhando
Ano após ano, dia após dia
Peito aberto, pés descalços
Marcando a relva molhada pela chuva fria

Enquanto caminho, sinto a companhia dos anjos
Com seu amor sem medidas
Por trilhas às vezes claras e amenas
Em outras, densas, desabridas

Há momentos no caminho em que esses anjos
Tornam-se humanos e vêm a mim
Como conselheiros, verdadeiros amigos
E me orientam a caminhar, assim

Anjo-homem, anjo-irmão, anjo-amigo
Anjo-mulher, anjo-mãe, companheira
Que marcaram e ainda marcam minha existência
Lembranças vivas de uma vida inteira

Homens, mulheres, crianças,
 Jovens, meninos, meninas
Amigos, amores, filhos e filhas queridas
São os anjos que orientam meu caminho
Em todas as jornadas vividas.


sexta-feira, 7 de setembro de 2018

ONDAS DA BARRA (Hélio Cervelin)



Autor: Hélio Cervelin

O domingo estava frio na Barra. Era dia 10 de junho de 2001 e a TV estava ligada a todo volume. O tenista catarinense Guga Kuerten acabava de conquistar o tricampeonato no Torneio de Roland Garros, uma competição de alto nível, disputada todos os anos na França.
O bodegueiro Zeca, meu antigo parceiro de farras, surfe e bebedeiras, conhecido popularmente como o Zequinha da Esquina devido ao seu bar estar localizado em uma esquina da Barra da Lagoa, estava exultante de alegria:  o seu boteco estava recheado de manezinhos barulhentos bebendo cerveja e comendo isca de peixe, olhos colados na TV.
A alegria dele era especial, justamente porque ele vira o tenista crescer, praticando o esporte que ora o consagrava, sempre acompanhado do pai, Aldo Kuerten, até a morte prematura deste, deixando o tenista órfão ainda na puberdade. E Zeca sempre dissera para quem quisesse ouvir, com aquele sotaque característico dos moradores da Ilha da Magia: "esse rapaz ainda vai ser um campeão, 'visse'? 'Olhó, olhó, olho', se vai!"
Mas a presença de alguém muito conhecida estancou sua alegria: a entrada súbita e inesperada da Maria do Joca no seu estabelecimento. Ela fora o grande amor de sua vida. Nunca mais a vira desde que se separaram. Ela continuava linda: morena, corpo esguio, cabelos longos e ondulados, olhos penetrantes. Seu coração palpitou loucamente. A princípio ficou estático, mas, aos poucos, foi retomando o fôlego e, sem perdê-la de vista, foi até a prateleira para apanhar o remédio do coração que lhe vinha sendo receitado há muito tempo pelo Dr. Vieira, outro frequentador assíduo do bar, e hoje seu médico cardiologista.
A história de amor de Zequinha e Maria havia sido um tórrido romance ocorrido na década de 1970, quando ambos frequentavam esta praia para surfar e tomar sol. Seu romance ia muito bem, embalado pelo surfe, muito reggae e um bom "baseado".
Naquela época tudo era curtição. Estavam de namoro firme e até chegaram a pensar em casamento. Mas, de repente, surgiu uma notícia-bomba: ela propôs o fim do namoro, declarando-se apaixonada por outro rapaz, o Joca, que era filho do Seu Onofre, proprietário de uma sapataria localizada na Rua Conselheiro Mafra, próximo ao Mercado Público, no Centro de Florianópolis.
Diante daquela notícia - lembrava-se agora - o seu coração, que era frágil, quase parou de vez. E agora sentia a mesma sensação. As memórias do passado voltaram como que em um turbilhão. Quase caiu desmaiado, apoiando-se no balcão, arfando e sentindo o peito comprimido. Chamou seu filho Manequinha e pediu-lhe para tomar conta da freguesia, pois ele precisava tomar um ar fresco.
Saiu do bar pelos fundos e começou a caminhar pela praia, sentindo a areia molhada sob seus pés. Olhou para o horizonte e viu as mesmas montanhas de mais de vinte anos atrás. O som do reggae inundou seus ouvidos. Fechou os olhos e sentiu a doçura dos lábios jovens de Maria.
Fora um tempo bom, de paixões, drogas e Rock and Roll. E muito surfe nas ondas da Barra da Lagoa.  Mas tudo isso ficou no passado. Um passado que jamais será esquecido e que poderá voltar à memória a qualquer momento.

sábado, 1 de setembro de 2018

A EMOÇÃO QUE MAIS ME IMPACTA (Diversos autores do Grupo)

A emoção é a expressão máxima na literatura – seja no conto, crônica ou poesia. Cite a emoção que mais o mobiliza (ou imobiliza) na vida e descreva-a. Dê a esta descrição a conotação exata em que ela direciona seus pensamentos, ações ou reações. Insira nesta descrição – seja ela qual for – as palavras: sentimento, lágrima, dor, riso, compensação,       paisagem, cheiro, cores e espiritualidade.

SENTIMENTO
Áurea Wolff
O sentimento que me causa mais indignação,  me faz derramar lágrimas, é  pensar na dor das pessoas que são discriminadas por serem negros, pobres ou com defeito físico, vítimas de piadas, brincadeiras, frases, palavras e até gestos, para provocarem riso ou desprezo, atitudes que tiram o valor e a dignidade do ser humano.
Em compensação quero lançar para a paisagem e tudo e todos os que nos rodeiam, meu olhar de carinho e compreensão.
Assim  como olho para as árvores floridas, que espalham o cheiro doce de suas flores, que,  com suas cores, dão colorido ao mundo e nos despertam para a espiritualidade que eleva nossa mente e nosso coração em direção  às coisas do Alto, mas no inverno perdem a sua beleza.


GRATIDÃO
Delva Robles
Gratidão é um sentimento que alimento todos os dias de minha vida, especialmente quando vou caminhar na praia perto de minha casa e me deparo com o Morro da Feiticeira.  
Não sei por que tem esse nome, mas ele realmente me enfeitiça.  Não canso de contemplar a imensidão deste morro, sua paisagem, seu cheiro, suas cores. Os pássaros se divertem, mergulhando de cabeça lá de cima, para pegar algum peixe desprevenido no costão do morro.
 espiritualidade brota em meu coração com o sentimento de gratidão.  Gratidão pelos meus pais, meus irmãos, meus avós, minha família, que são meus filhos e meu marido.  
Agradeço, olhando para este morro maravilhoso, e  sinto  que ele me responde com uma  paz imensa que inunda meu espírito.   Se eu já tive lágrimas de dor, hoje o riso e a compensação predominam.     
Agradeço por cada pessoa que cruza o meu caminho, e de alguma forma me ajuda no meu crescimento espiritual. Obrigada! Obrigada!

MANHà DE  DOMINGO
Eliane Haesbaert
Já acordei naquela manhã, vibrando com um sentimento de liberdade ao me conscientizar que era domingo, sem nenhum compromisso externo, sem ter que telefonar ou receber chamadas pelo telefone ou pela campainha da porta.
Como a felicidade assim como a dor, chegam ao longo da vida em doses homeopáticas, quero registrar aqui como minha espiritualidade, nessa singela manhã de domingo, alcançou o Nirvana.
Cumpridas as obrigações rotineiras e prosaicas de quem vive só, resolvi banhar meus cachorros.
Para que eles ficassem tranquilos, secando ao sol e sombra na frente de casa, sem as tentações da terra do quintal, que os faria virar bifes à milanesa, preferi sentar-me no sofazinho da varanda, à sombra, tomando meu indefectível gin tônica e ouvindo melodias harmoniosas da amada Bossa Nova.
Eu almoçaria qualquer coisa que não me desse trabalho, mas em compensação, dava a mim mesma aquele tempo em que minha mente se encontrava completamente vazia de qualquer expectativa, com o olhar vagabundeando pela paisagem das árvores do entorno, principalmente as pitangueira e grumixameira que plantei em frente à minha casa sete anos atrás que, mesmo sem cheiro e cores, uma vez que na época não exibem flores nem frutos, mas que têm o verde exuberante das suas folhagens na moldura daquele céu insuportavelmente azul, sem qualquer vestígio de nuvens e a brisa suave da despedida do verão, anunciando um outono promissor.
Tudo perfeito, desde o gin inglês (raridade!), o clima, o silêncio ligeiramente alterado pelas suaves canções e a mente oca, deixei-me ficar ali até o corpo entrar num torpor de relaxamento total e sentir o formigamento de um leve cochilo.
Conscientizei num riso fugaz essa paz imensa e agradeci o Cosmos pelas duas horas de felicidade autêntica, pura e simples. Tão intensa que me levou às lágrimas, pois é muito tênue o fio umbilical entre a dor e o prazer.
Foi uma manhã rara e inesquecível.


EMOÇÃO E COMPAIXÃO
Hélio Cervelin

Um dos sentimentos que mais me impacta e imobiliza é a compaixão.
Sinto-me chocado e fortemente emocionado quando me deparo com as lágrimas  de dor e sofrimento de um ser humano agredido ou o gemido de qualquer ser vivo em angústia e desolação  Isso me leva a uma forte comoção ou mesmo a uma grande revolta.
Não consigo aceitar qualquer atitude que possa gerar dor e amargura, seja contra as pessoas ou animais de qualquer espécie, e ao presenciar cenas dessa natureza, meu peito se enche de empatia e começo a sofrer juntamente com quem sofre. E me pergunto: por que este mundo tem tantas amarguras?
Nosso riso e alegrias, que são raros, tornam-se uma compensação diante de um mundo tão conturbado pelos desencontros, desentendimentos, carências dos mais variados matizes, desde alimentos até respeito, carinho e amor.  
Uma profunda reflexão poderá nos levar à conclusão de que é impossível  deixarmos de sofrer ou chorar,  pois as perdas e os choques são diários. Quando não ocorrem ao nosso redor - em nossa família, cidade ou país - chegam ao nosso conhecimento, através da TV, Internet ou jornais, as informações de que em outra parte do planeta alguém está sofrendo.
São muitas as mazelas do mundo que trazem dor e sofrimento. E a humanidade, submissa a lideranças tão frágeis e corrompidas pelo poder e pelo dinheiro, está à mercê da própria sorte. A desorientação provocada pela falta de ética deixa um cheiro desagradável no ar. Só mesmo a crença na espiritualidade será capaz de nos dar ânimo para resistir, na esperança de uma nova paisagem no futuro.
Nem todos os sofrimentos podem ser eliminados, mas nosso empenho poderá atenuar  esse quadro, trazendo de volta o perfume das flores em suas mais variadas cores, fazendo-nos vibrar e sonhar com novos horizontes, passíveis de gerar uma compensação pelos suplícios vivenciados.
Outro mundo melhor é possível? 
Não neste planeta desorientado e eivado de erros, intrigas, ganância e egoísmo. Amenizar os dissabores e trazer de volta o sorriso ao rosto dessas pessoas sofredoras deve ser a nossa meta diária, já que, no dizer do poeta, "navegar é preciso, viver não é preciso".


O MEDO
Nídia Nóbrega
O medo me mobiliza. Ou imobiliza. É meio freio ou arma de ataque.
O medo me acompanha no meio da rua, andando na passarela da rodovia, dirigindo sozinha ou enfrentando uma página em branco de um texto.
Mas o medo não me paralisa. Apenas me condiciona para sobreviver e não morrer.
Tenho medo do desamor, da violência, da opressão, da omissão, do desengano, da deslealdade.
O medo me enlouquece na injustiça, no radicalismo, na violência judiciária, na opressão dos desvalidos e dos incapazes até de ter medo.
Tenho medo da fome alheia e da minha – não só de comida, mas de amor, entendimento, solidariedade, empatia e respeito.
O medo mata meu sossego diante das ameaças diárias de quem usa inspirar medo para impedir que, diante dele, não possamos berrar, denunciar, reagir.
Mas o medo também, me inspira doces sentimentos.
Pelo medo tenho mais cuidado, compreensão e carinho. E isso me leva a descobrir mais ternura, calor para o abraço, a palavra amorosa, o gesto de amparo.
Tenho medo de lágrimas que cegam, de soluços que travam palavras, de ameaças que travam braços, pernas e pensamentos.
Tenho medo até mesmo de não ver que podem existir sorrisos e esperanças.
Mas hoje, nesse gueto por onde tenho andado, o medo tem cheiro e cor de abandono, fome, ignorância, doença, violência.
O medo está no lixo, nos biates deixados nos viadutos, nas ponteiras de cigarros fumados debaixo das pontes e nos bancos das praças para enganar a realidade que não se sabe lidar.
Tenho medo do medo que inibe a fé, que sonega certezas, que desperdiça energia com a ausência de futuro.
Tenho medo do que leio nos olhos das crianças abandonadas, dos velhos que esperam sentados ao sol a hora da morte, da menina que espera em vão o amor que se foi.
Me faz chorar o medo que esconde a esperança, a ternura, a verdade, a coragem e a ousadia de viver. Ou o medo que esconde a fé ou a obscurece diante das negações que lhe acompanham.
Tenho medo até de ter de silenciar diante dele.
Mas ainda escrevo.