A emoção é a expressão máxima na
literatura – seja no conto, crônica ou poesia. Cite a emoção que mais o mobiliza (ou imobiliza) na vida e descreva-a. Dê a esta descrição a conotação exata
em que ela direciona seus pensamentos,
ações ou reações. Insira nesta
descrição – seja ela qual for – as palavras: sentimento, lágrima, dor, riso, compensação, paisagem, cheiro, cores e espiritualidade.
SENTIMENTO
Áurea Wolff
O sentimento que me causa mais indignação, me faz derramar lágrimas, é pensar na dor das pessoas que são
discriminadas por serem negros, pobres ou com defeito físico, vítimas de
piadas, brincadeiras, frases, palavras e até gestos, para provocarem riso ou
desprezo, atitudes que tiram o valor e a dignidade do ser humano.
Em compensação quero lançar para a paisagem e tudo e todos
os que nos rodeiam, meu olhar de carinho e compreensão.
Assim como olho para as árvores
floridas, que espalham o cheiro doce de suas flores, que, com suas cores, dão colorido ao mundo e nos despertam para a espiritualidade
que eleva nossa mente e nosso coração em direção às coisas do Alto, mas no inverno perdem a
sua beleza.
GRATIDÃO
Delva Robles
Gratidão é um sentimento que
alimento todos os dias de minha vida, especialmente quando vou caminhar na
praia perto de minha casa e me deparo com o Morro da Feiticeira.
Não sei por que tem
esse nome, mas ele realmente me enfeitiça. Não canso de contemplar a
imensidão deste morro, sua paisagem, seu cheiro,
suas cores. Os pássaros se divertem, mergulhando de cabeça lá de
cima, para pegar algum peixe desprevenido no costão do morro.
A espiritualidade brota em
meu coração com o sentimento de gratidão. Gratidão pelos meus pais,
meus irmãos, meus avós, minha família, que são meus filhos e meu
marido.
Agradeço, olhando
para este morro maravilhoso, e sinto que ele me responde
com uma paz imensa que inunda meu espírito. Se eu
já tive lágrimas de dor, hoje o riso e
a compensação predominam.
Agradeço por cada
pessoa que cruza o meu caminho, e de alguma forma me ajuda no meu crescimento
espiritual. Obrigada! Obrigada!
MANHÃ DE
DOMINGO
Eliane Haesbaert
Já acordei naquela manhã,
vibrando com um sentimento de
liberdade ao me conscientizar que era domingo, sem nenhum compromisso externo,
sem ter que telefonar ou receber chamadas pelo telefone ou pela campainha da
porta.
Como a felicidade assim como a dor, chegam ao longo da vida em doses
homeopáticas, quero registrar aqui como minha espiritualidade, nessa singela manhã de domingo, alcançou o
Nirvana.
Cumpridas as obrigações
rotineiras e prosaicas de quem vive só, resolvi banhar meus cachorros.
Para que eles ficassem
tranquilos, secando ao sol e sombra na frente de casa, sem as tentações da
terra do quintal, que os faria virar bifes à milanesa, preferi sentar-me no
sofazinho da varanda, à sombra, tomando meu indefectível gin tônica e ouvindo
melodias harmoniosas da amada Bossa Nova.
Eu almoçaria qualquer coisa que
não me desse trabalho, mas em compensação,
dava a mim mesma aquele tempo em que minha mente se encontrava completamente
vazia de qualquer expectativa, com o olhar vagabundeando pela paisagem das árvores do entorno, principalmente as
pitangueira e grumixameira que plantei em frente à minha casa sete anos atrás
que, mesmo sem cheiro e cores, uma vez que na época não exibem
flores nem frutos, mas que têm o verde exuberante das suas folhagens na moldura
daquele céu insuportavelmente azul, sem qualquer vestígio de nuvens e a brisa
suave da despedida do verão, anunciando um outono promissor.
Tudo perfeito, desde o gin inglês
(raridade!), o clima, o silêncio ligeiramente alterado pelas suaves canções e a
mente oca, deixei-me ficar ali até o corpo entrar num torpor de relaxamento
total e sentir o formigamento de um leve cochilo.
Conscientizei num riso fugaz essa paz imensa e agradeci o
Cosmos pelas duas horas de felicidade autêntica, pura e simples. Tão intensa
que me levou às lágrimas, pois é
muito tênue o fio umbilical entre a dor e o prazer.
Foi uma manhã rara e
inesquecível.
EMOÇÃO
E COMPAIXÃO
Hélio
Cervelin
Um dos sentimentos que mais me
impacta e imobiliza é a compaixão.
Sinto-me chocado e fortemente
emocionado quando me deparo com as lágrimas
de dor e sofrimento de um ser humano agredido ou o gemido de qualquer
ser vivo em angústia e desolação Isso me
leva a uma forte comoção ou mesmo a uma grande revolta.
Não consigo aceitar qualquer
atitude que possa gerar dor e amargura, seja contra as pessoas ou animais de
qualquer espécie, e ao presenciar cenas dessa natureza, meu peito se enche de
empatia e começo a sofrer juntamente com quem sofre. E me pergunto: por que
este mundo tem tantas amarguras?
Nosso riso e alegrias, que são
raros, tornam-se uma compensação diante de um mundo tão conturbado pelos
desencontros, desentendimentos, carências dos mais variados matizes, desde
alimentos até respeito, carinho e amor.
Uma profunda reflexão poderá
nos levar à conclusão de que é impossível
deixarmos de sofrer ou chorar,
pois as perdas e os choques são diários. Quando não ocorrem ao nosso
redor - em nossa família, cidade ou país - chegam ao nosso conhecimento,
através da TV, Internet ou jornais, as informações de que em outra parte do
planeta alguém está sofrendo.
São muitas as mazelas do mundo
que trazem dor e sofrimento. E a humanidade, submissa a lideranças tão frágeis
e corrompidas pelo poder e pelo dinheiro, está à mercê da própria sorte. A
desorientação provocada pela falta de ética deixa um cheiro desagradável no ar.
Só mesmo a crença na espiritualidade será capaz de nos dar ânimo para resistir,
na esperança de uma nova paisagem no futuro.
Nem todos os sofrimentos podem
ser eliminados, mas nosso empenho poderá atenuar esse quadro, trazendo de volta o perfume das
flores em suas mais variadas cores, fazendo-nos vibrar e sonhar com novos
horizontes, passíveis de gerar uma compensação pelos suplícios vivenciados.
Outro mundo melhor é
possível?
Não neste planeta desorientado
e eivado de erros, intrigas, ganância e egoísmo. Amenizar os dissabores e trazer
de volta o sorriso ao rosto dessas pessoas sofredoras deve ser a nossa meta
diária, já que, no dizer do poeta, "navegar é preciso, viver não é
preciso".
O MEDO
Nídia Nóbrega
O medo me mobiliza. Ou imobiliza. É meio freio ou arma de
ataque.
O medo me acompanha no meio da rua, andando na passarela da
rodovia, dirigindo sozinha ou enfrentando uma página em branco de um texto.
Mas o medo não me paralisa. Apenas me condiciona para
sobreviver e não morrer.
Tenho medo do desamor, da violência, da opressão, da
omissão, do desengano, da deslealdade.
O medo me enlouquece na injustiça, no radicalismo, na violência
judiciária, na opressão dos desvalidos e dos incapazes até de ter medo.
Tenho medo da fome alheia e da minha – não só de comida, mas
de amor, entendimento, solidariedade, empatia e respeito.
O medo mata meu sossego diante das ameaças diárias de quem
usa inspirar medo para impedir que, diante dele, não possamos berrar, denunciar,
reagir.
Mas o medo também, me inspira doces sentimentos.
Pelo medo tenho mais cuidado, compreensão e carinho. E isso
me leva a descobrir mais ternura, calor para o abraço, a palavra amorosa, o
gesto de amparo.
Tenho medo de lágrimas que cegam, de soluços que travam
palavras, de ameaças que travam braços, pernas e pensamentos.
Tenho medo até mesmo de não ver que podem existir sorrisos e
esperanças.
Mas hoje, nesse gueto por onde tenho andado, o medo tem
cheiro e cor de abandono, fome, ignorância, doença, violência.
O medo está no lixo, nos biates deixados nos viadutos, nas
ponteiras de cigarros fumados debaixo das pontes e nos bancos das praças para
enganar a realidade que não se sabe lidar.
Tenho medo do medo que inibe a fé, que sonega certezas, que
desperdiça energia com a ausência de futuro.
Tenho medo do que leio nos olhos das crianças abandonadas,
dos velhos que esperam sentados ao sol a hora da morte, da menina que espera em
vão o amor que se foi.
Me faz chorar o medo que esconde a esperança, a ternura, a
verdade, a coragem e a ousadia de viver. Ou o medo que esconde a fé ou a
obscurece diante das negações que lhe acompanham.
Tenho medo até de ter de silenciar diante dele.