
Autor: Hélio Cervelin
O
domingo estava frio na Barra. Era dia 10 de junho de 2001 e a TV estava ligada
a todo volume. O tenista catarinense Guga Kuerten acabava de conquistar o
tricampeonato no Torneio de Roland Garros, uma competição de alto nível,
disputada todos os anos na França.
O
bodegueiro Zeca, meu antigo parceiro de farras, surfe e bebedeiras, conhecido
popularmente como o Zequinha da Esquina devido ao seu bar estar localizado em uma
esquina da Barra da Lagoa, estava exultante de alegria: o seu boteco estava recheado de manezinhos
barulhentos bebendo cerveja e comendo isca de peixe, olhos colados na TV.
A
alegria dele era especial, justamente porque ele vira o tenista crescer,
praticando o esporte que ora o consagrava, sempre acompanhado do pai, Aldo Kuerten,
até a morte prematura deste, deixando o tenista órfão ainda na puberdade. E Zeca
sempre dissera para quem quisesse ouvir, com aquele sotaque característico dos
moradores da Ilha da Magia: "esse rapaz ainda vai ser um campeão, 'visse'?
'Olhó, olhó, olho', se vai!"
Mas
a presença de alguém muito conhecida estancou sua alegria: a entrada súbita e
inesperada da Maria do Joca no seu estabelecimento. Ela fora o grande amor de
sua vida. Nunca mais a vira desde que se separaram. Ela continuava linda: morena,
corpo esguio, cabelos longos e ondulados, olhos penetrantes. Seu coração palpitou
loucamente. A princípio ficou estático, mas, aos poucos, foi retomando o fôlego
e, sem perdê-la de vista, foi até a prateleira para apanhar o remédio do
coração que lhe vinha sendo receitado há muito tempo pelo Dr. Vieira, outro
frequentador assíduo do bar, e hoje seu médico cardiologista.
A
história de amor de Zequinha e Maria havia sido um tórrido romance ocorrido na
década de 1970, quando ambos frequentavam esta praia para surfar e tomar sol. Seu
romance ia muito bem, embalado pelo surfe, muito reggae e um bom
"baseado".
Naquela
época tudo era curtição. Estavam de namoro firme e até chegaram a pensar em
casamento. Mas, de repente, surgiu uma notícia-bomba: ela propôs o fim do
namoro, declarando-se apaixonada por outro rapaz, o Joca, que era filho do Seu
Onofre, proprietário de uma sapataria localizada na Rua Conselheiro Mafra,
próximo ao Mercado Público, no Centro de Florianópolis.
Diante
daquela notícia - lembrava-se agora - o seu coração, que era frágil, quase
parou de vez. E agora sentia a mesma sensação. As memórias do passado voltaram
como que em um turbilhão. Quase caiu desmaiado, apoiando-se no balcão, arfando
e sentindo o peito comprimido. Chamou seu filho Manequinha e pediu-lhe para
tomar conta da freguesia, pois ele precisava tomar um ar fresco.
Saiu
do bar pelos fundos e começou a caminhar pela praia, sentindo a areia molhada
sob seus pés. Olhou para o horizonte e viu as mesmas montanhas de mais de vinte
anos atrás. O som do reggae inundou seus ouvidos. Fechou os olhos e sentiu a
doçura dos lábios jovens de Maria.
Fora
um tempo bom, de paixões, drogas e Rock and Roll. E muito surfe nas ondas da
Barra da Lagoa. Mas tudo isso ficou no
passado. Um passado que jamais será esquecido e que poderá voltar à memória a
qualquer momento.
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