quarta-feira, 10 de outubro de 2018

VÁ, VOCÊ PODE! Querubina Ribas (Desterro, 1º out 2018)

Está armando um temporal. Adoro temporais!
Quando meus filhos eram pequenos, eu os chamava sempre, dizendo: "corram, venham ver que temporal lindo está se armando no mar, na Joaquina!"
Meu segundo filho - sempre foi bem humorado e com umas tiradas ótimas - gritava mais alto que eu para os irmãos: "venham, a Maga Patológica está chamando!"
A chuva é algo que me atraía desde que eu me conheço como gente. Em Joaçaba, meus pais moravam perto da igreja Santa Terezinha, num morro. Quando caíam aqueles temporais de verão eu preparava barquinhos de papel, soltava-os na enxurrada e corria, descalça, na chuva forte, para ver se eles chegavam até o Rio do Tigre. Quase sempre eles paravam ao lado da igreja, pois a rua não tinha caimento. Às vezes, chegavam ao rio, e eu me sentia feliz como se estivesse em uma festa.
Quando eu chegava em casa, molhada, pingando água por todo lado, seguidamente levava palmadas. O que não impedia que no temporal seguinte eu preparasse minha corrida solitária com o meu barco de papel.
A chuva sempre foi minha companheira de brincadeiras. Só tive uma boneca. Ela tinha uma linda cabeça de louça. Ganhei-a num Natal. E ela durou um dia, apenas. Minha irmã menor pegou-a e deixou-a cair no chão. A cabeça ficou em múltiplos pedaços.  Não senti muito. Não tive outras bonecas compradas. Só as de pano, que eram feitas de velhos lençóis, com os olhos e a boca bordados com ponto atrás. Outros tempos! Um mundo tão distante que parece que não fui eu que vivi.
Hoje pela manhã, recebi pelo Whatsapp um vídeo de Mário Sérgio Cortella em que ele diz que "não existe o imponderável". Entre as várias histórias, exemplos que ele narrou, uma me emocionou muito. A de Barack Obama. Não pela história de vida dele, mas por um exemplo sobre ele, que Cortella contou. Quando Obama era pequeno, criado pela avó, ele chegou a dizer: "Vó, eu vou ser presidente dos Estados Unidos".  A avó, em vez de enumerar tudo o que haveria contra ele para chegar lá, afrodescendente, com um nome árabe, disse as palavras mais sábias: "Vá, que você pode!"
Nunca ouvi nada que me estimulasse, que me fizesse acreditar que "eu podia". E que podia seguir os mais difíceis e inexplicáveis sonhos. Será que se alguém me dissesse "vá, que você pode!" eu teria seguido um caminho diferente? Sei lá.
A chuva bate forte na janela. Me contive para não sair lá fora e deixar ela sobre o meu corpo. Às vezes faço isso.  Deito na grama e deixo a chuva cair.l Me transformo numa árvore, numa planta, não sou mais  um banal ser humano. Sou a frondosa árvore Garapuvu! Com trinta metros de altura, com flores que se espalham pelo chão, formando um lindo tapete amarelo.


5 comentários:

  1. Que lindo, me perdoe pela boneca
    É eu também adoro chuva. Mil beijos AMO VOCÊ

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  2. Mãe adorei seu texto como filho sou uma semente de uma linda árvore .

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  3. Parabéns!!! Linda história, palavras e, definitivamente, VÁ, VOCE PODE!! Obrigada por ser um exemplo!!

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  4. Lindo Ina, também nunca ouvi as sábias palavras ditas pela vó de Barack Obama, mas digo a você que uma multidão segue adormecida sem saber o poder que tem de mudar seu destino.
    Maga Patológica....adorei!!!

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  5. Amei Tia! Conheci um lado teu hoje que não conhecia... A delicadeza em forma de letras.... pois a tua delicadeza... ah!!! essa é a tua marca que trago nas minhas melhores lembranças! Beijo!

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