segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

NATAL E SUAS DORES (Nídia Nóbrega)


Autora: Nídia Nóbrega

Não me eximo das rotinas preparatórias de Natal. Da compra de presentes a organização da ceia. E isso não me incomoda ou cansa. Gosto de presentear a quem amo.
Mas o Natal sempre inspirou em mim, desde a mais tenra idade, um sentimento de exclusão.
Não falo do nascimento de Jesus, festejado pelo mundo cristão que envolve metade do planeta.
O que me dói nessa festa é saber quem em nome de Jesus se compra e se vende um conceito equivocado de amor, solidariedade, comprometimento com o outro.
Não odeio o papai Noel, figura em quem nunca acreditei e que nunca fez parte da memória afetiva de minhas filhas. Mas o excluo porque sua figura capitalista não inspira realização em todas as crianças. E metade das marginalizadas, excluídas e 'famérrimas' não satisfazem suas fantasias na bela noite em que Jesus veio para trazer novas promessas.
O Natal me inspira a triste frustração de quem sabe que, a despeito de todo o cenário, os mesmos que hoje o embalam em presépios de todos os tipos vão crucificá-lo amanhã na figura dos negros, pobres, doentes, deficientes, desempregados, índios, analfabetos e incapazes de se defender.
Me desespera saber que o bebê de hoje é o homem que amanhã será a figura que os juízes das cortes supremas irão lavar as mãos, omitindo a justiça que ele pregou em sua caminhada em favor do poder econômico, jurídico ou político. Ou quem sabe militar.
Não consigo ver no Natal a esperança que deveria pregar.
Milhões de crianças amanhã estarão sem comida sem roupa, sem escola e sem chance de uma universidade pública e gratuita porque os políticos e juízes de hoje abortarão suas possibilidades.
Penso nesses mesmos meninos que não terão natal como penso nos trabalhadores sem salário sem estabilidade, sem previdência de amanhã.
Penso que os meninos sem Natal de hoje serão os adultos desencantados, doentes, infelizes porque sem previdência privada e morrerão por conta de um sistema que defende a venda da saúde ao invés de sua prevenção.
Penso que esse Natal de hoje não garantirá aos índios, quilombolas e prisioneiros do preconceito qualquer tipo de chance a não ser o extermínio de sua cultura.
Não consigo me alegrar quando vejo que os radicalismos religiosos, políticos, econômicos que mataram Jesus – O cristo que nasceu hoje, é forte não só no poder, mas nas pessoas comuns que me abraçam.
Esse Natal será triste porque no próximo não poderei dizer ao meu neto que vai nascer que existe esperança num país injusto, hipócrita, incoerente e recheado de erros.
Fico pensando nos meninos assassinados por balas perdidas, nos jovens escravizados no tráfico, nos camponeses sem escola e sem amanhã – que Natal os convencerá de que existe esperança e justiça....
Apesar de toda a festa, nem Jesus em sua doce promessa de humanização dos errantes, conseguirá reverter tanta dor.
Uma data triste essa que me faz sentir impotência diante do desamor, do egoísmo do vazio de empatia, da ausência da solidariedade, respeito e compreensão.
Somos todos bonecos manipulados por uma cultura cristã capitalista que defende a morte, a exclusão sócia, a exploração do trabalho alheio, a injustiça e a morte da esperança de crianças e velhos por nossa omissão e covardia.
Esse será um Natal recheado de dores com gosto amargo que nem a comida boa ou o chocolate podem tirar.

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