segunda-feira, 29 de julho de 2019

QUANDO AS FOLHAS CAEM (Querubina Ribas)



Autora: Querubina Ribas

Na minha angústia solitária de naufragada, penso nas palavras. E lembro-me de um poema da Cecília Meireles que diz "ai palavras, ai palavras que estranha potência a vossa!”. Busco essa potência e não encontro. Que palavras escolher? Como organizá-las para ter um texto claro e atraente? Se a procura das palavras me deixou aflita, o tema criou uma barreira que, inicialmente, me pareceu intransponível. Voltei aos sete, oito, dez anos de idade quando a professora nos dava como tarefa, fazermos uma redação sobre a mãe, as férias, as estações do ano que estávamos vivendo. Aos meus olhos infantis, aqueles temas eram uma punhalada na minha imaginação e nada criativas.
Nessa busca angustiante, penso em como produzir um texto atraente, poético e coerente que descreva uma precisa época do ano? As palavras surgem soltas, como folhas que caem das árvores no outono.
Penso no tempo. Ele é marcado pelos segundos, minutos, horas, semanas, meses. Ao estudar a natureza, o homem, encontrou elementos explicativos para diferenciar os períodos do ano. Observando as transformações, criaram nomes para as diferentes épocas.
As quatro estações, como conhecemos hoje em dia, surgiram no século dezessete. Antes dessa época, o ano era dividido em duas estações: “veris” o tempo bom, florido, quente e “hienus” o tempo ruim, sem flores, frutos e frio.
Acredito que algum amante e dedicado observador da natureza, percebeu que existiam mudanças significativas intermediárias entre a época quente e a fria. Dessa forma, surgiu a boa estação “primo vere” e o “tempus autumnus” que acontecia antes do “tempus de hibernus”.
O homem, como o tempo, sofre transformações durante sua breve passagem pela Terra. Vive a inocência dos primeiros anos. Um tempo alegre, colorido, cheio de encantamentos. Depois vem o quente período da adolescência e juventude. Quando as loucuras cometidas são justificadas pela euforia e o calor desse período da vida.
Quanto às árvores, elas se desfazem das folhas no outono, porque se elas permanecessem junto aos galhos, apodreceriam e levariam a árvore à morte. Assim, sem folhas, ela se prepara para o rigoroso inverno e para o renascimento na primavera.
O homem, como as árvores, no outono da vida se prepara para um tempo que pode ser mais frio que as outras fases da vida, mas, também, tem seus encantos e belezas. É quando a juventude acaba e o que fica é o que ele tem de mais bonito e o que o sustentou durante a caminhada: a essência.


                       


ESCRAVOS DA ROTINA (Hans Wiedemann)

ANJOS MULTICORES (Hélio Cervelin, 26Jul2019)



Autor: Hélio Cervelin

Meus anjos são multicores
De tons de pele sem fim
São seres que vão e vêm
E que trazem amparo pra mim

Você é o meu anjo moreno
De um lindo semblante dourado
É o meu anjo do presente
Que hoje caminha ao meu lado

Os anjos nos orientam e inspiram
Com seus sorrisos e conselhos
Luz do céu em forma de gente
Lindas sardas, cabelos vermelhos

Anjos de pele alva de luz
E rasgados olhos azuis
De cabelos longos e olhar sereno
Lembrando a imagem de Jesus

Anjos de pele vermelha
Amorenada pelo sol, marcados
Que me conduzem nas veredas
De todos os caminhos trilhados

Anjos amarelos, de olhos pequenos,
Ternura sem par, doçura sem fim
Anjos retintos, corpos azulados
De alvos dentes de marfim

Anjos são fontes de amor
Amparo, conforto e amizade
Cada um que vem ou vai
É um pouco da Eternidade

Anjos de todas as cores
Que pela vida passaram
E muitos que passarão

Também sou o anjo dos outros
E a todos procuro doar
O amor do meu coração


domingo, 21 de julho de 2019

ESPÉCIES ANIMAIS QUE ANIMAM MINHA CASA [Eliana Haesbaert (Lili)]



Autora: Eliana Haesbaert

Daqui onde estou, avisto dois beija-flores disputando o bebedouro cheio com água doce.
Eles são muito egoístas, pois não admitem compartilhar do mesmo bebedouro que tem quatro flores plásticas com quatro orifícios onde eles penetram seus longos bicos e saboreiam o alimento dulcíssimo, a guisa do néctar das flores.
Resolvo escrever não sobre um animal, mas sobre todos os bichos que habitam, frequentam e visitam meu habitat, que o animal racional chama de lar.

São centenas, entre insetos, aracnídeos, moluscos, ovíparos e  três fêmeas da espécie dos mamíferos, minhas duas cadelas, Kika,  Bebel, e eu. Existem outras fêmeas mamíferas, bem menores, mas delas falaremos depois.
Kika e Bebel, por conviverem estreitamente comigo, são quase humanas no seu comportamento manifesto de dor, alegria, desejos, contradições e sabem o Português básico para nossa convivência: - NÃÃÃO! - Prá dentro! - Caminha! - Vem cá ou aqui! - Tá, tá, tá! Ou - Chega! Fica aí! dentre outras palavras de comando.
Elas acham que sou a cadela mãe e eu, por ser sozinha, quase as trato como gente.
A Kika dorme na minha cama de casal, ocupando o travesseiro ao lado do meu e quando quer ir para baixo das cobertas, agora, do edredom, dá-me um sinal me cutucando com o focinho ou a pata, eu levanto as cobertas e ela se enfia por baixo, acomodando-se aos pés da cama.
Já a Bebel nunca recebeu liberdade para esses luxos, mas assumiu prazerosamente a confortável caminha 80 X 80 cm e adora ficar nela, embrulhada nos dois cobertorezinhos de lã, além da roupinha de grife Pet que ganhou, vermelha para contrastar com o pêlo baixo preto zulu, pois é muito friorenta.
E vivemos as três fêmeas numa relação familiar e amorosa e interdependente.  

A passarada que frequenta assiduamente o meu território é um caso à parte.
Conquistei-os há algumas gerações, pois há 20 anos mantenho um comedouro sobre o muro, sob a beira do telhado da garagem, frente às basculantes  da cozinha abastecido de comida, pelo menos duas vezes por dia, onde ele se banqueteiam numa algaravia exacerbada.
Antes, eu o abastecia com mistura de alpiste, painço e quirera, mas quando registrei que estava gastando cerca de 300 reais com isso, passei a fornecer arroz cozido e miolo de pão. 
Os passarinhos apresentam uma grande variedade de espetáculos.
Ocasionalmente o comedouro é visitado por pica-paus, bem-te-vis, mas é frequentado diariamente, quase que permanentemente por dezenas de pardais, pombas-rola,  pássaros pretos e muitos canários da terra.
Eu me deleito em assistir mamães regurgitando o alimento bico adentro de filhotes berrões muitas vezes bem maiores que as mamães passarinho.
Assim como o comedouro, mantenho abastecidos os dois bebedouros, um na varanda da frente e outro na área da churrasqueira com água adoçada onde durante o dia os colibris e os cambacicas fazem a festa e, ao anoitecer, preciso reabastecê-los para que os morceguinhos se alimentem durante a noite. Afinal, os morcegos, além de inofensivos, são grandes polinizadores.
Quanto aos moluscos, temos uma relação independente.
Só os vejo quando o terreno ficou alagado ou úmido pela chuva, então lesmas e caracóis aparecem em profusão. Caminho feito uma defeituosa, olhando para o chão para não pisar nessas frágeis criaturas, carregando ou não as suas casas nas costas. Certa vez e única, vi dois caracóis inacreditavelmente enroscados, como se estivessem copulando, mas sei que são hermafroditas.
Até hoje não entendi o que eles estavam fazendo naquele enrosco.
Volta e meia me deparo com insetos estranhos e diferentes de tudo aquilo todo que reconheço, mas não os perturbo.
Só não permito que sobrevivam e proliferem  os repulsivos e incômodos moscas, mosquitos, baratas e pulgas.
Até agora não citei as pererecas que aparecem ao anoitecer, sempre se exibindo onde permanecem faixas de luz, onde ficam expostos os insetos a serem caçados. Elas são medrosas, pois às vezes pulam para dentro de casa inadvertidamente até que entendem que agiram errado e retornam para a rua em busca de suas presas com aquele andar pulado e deselegante.
Preciso contar das colônias de mamíferos engraçadinhos  e perturbadores: os minúsculos camundongos que aqui habitam em grande quantidade.
Que eu saiba e tenha plena consciência, existem duas populações de camundonguinhos: aqueles que habitam sob a edícula e aqueles que moram sob a hera que fecha 30 metros de muro.
Nos finais da tarde, estraçalho duas fatias de pão de forma e coloco no comedouro que, durante o dia é dos pássaros, mas à noite é frequentado por eles e mais três fatias do pão de forma espicaçadas numa bandeja de isopor que deixo no chão da edícula. Na manhã seguinte recolho a bandeja vazia.  As graciosas lagartixas vivem basicamente sob o telhado da garagem e passeiam e caçam os insetos que aparecem sob a luz da cozinha, através das basculantes.
E assim vamos vivendo harmoniosamente e sem conflitos.


quinta-feira, 11 de julho de 2019

OBRIGADA, JOÃO GILBERTO PÁDUA PEREIRA DE OLIVEIRA, PAI DA “BOSSA NOVA” (Eliana Haesbaert)




 Autora: Eliana Haesbaert

Neste domingo gelado, 07 de julho de 2019, ao levantar, eu ligo o rádio e ouço que ontem por volta das 15h, morreu João Gilberto, 88 anos, de causas  naturais, em seu apartamento no Leblon, tendo a companhia de sua mulher, Maria do Céu, uma cuidadora e seu secretário.
Apesar de viver ali há vários anos, a maioria dos vizinhos nunca o viu, pois ele se mantinha recluso, anti-social  e excêntrico, interditado judicialmente pela filha e curadora Bebel Gilberto, sua filha com Miúcha.
João morreu como se comportou ao longo da sua vida, reservado, e agora com a saúde física e mental bastante debilitadas.

O contraditório é que se apresentou durante décadas ante platéias lotadas no mundo inteiro, ele sozinho no palco com seu violão, muitas vezes com o acompanhamento de orquestras inteiras, com sua vozinha murmurante, delicada e suave porém afinadíssima e tocando aquela batida diferente, exclusiva, até então desconhecida e depois, sempre imitada e nunca igualada.

Especialistas em música, comentaristas e críticos do meio, dizem que o violão de João Gilberto ao ouvido parecem ser dois e que ele e o instrumento eram como uma entidade única e foi um raro  músico a dominar platéias grandiosas mantendo um silêncio respeitoso perante sua melodia discreta e sutil.

Os colegas do grupo Náufragos Literários são testemunhas do quanto apreciadora fui, sou e serei enquanto viver do movimento musical chamado “bossa nova” desde que surgiu na minha infância, admiração perpetuada nas dez crônicas que compõem minha participação no livro coletivo que iremos publicar, a partir da primeira crônica que tem por título “De como a Bossa Nova entrou (e ficou para sempre) em minha vida” onde conto  o quanto me marcou aquele Lp, o primeiro de João Gilberto e  lançado simultaneamente com o despertar da libido na menina que eu era e a segunda crônica se chama “Ho-ba-lá-lá”, nome da primeira canção criada por João Gilberto, que foi a trilha musical do meu primeiro amor adolescente.
Por sua genialidade, deixa muitas curiosidades, quase lendárias, como aos sete anos de idade ter sido o único a acusar um erro no órgão da igreja de Juazeiro (BA), apesar de acompanhado pelo coral em que ele fazia parte e outros fatos  advindos da sua timidez e idiossincrasias, típicas de todo gênio.

Admirou-me e me surpreendeu muito as manifestações que vi e ouvi ao longo deste domingo, falando a “dor da perda”, “lamentando a passagem” deste nosso conterrâneo que levou e elevou a música brasileira por todo o mundo, até hoje apreciada e reconhecida.
A música do Brasil só era conhecida internacionalmente por Carmen Miranda e a partir dele, passou a existir como “antes e depois” de João Gilberto .

Não entendo essas lamentações, pois a matéria chamada “corpo” que ele ocupou nesta passagem já estava doente, decrépita, desligada e ausente da realidade.
Durante sua vida útil, ele conseguiu criar, difundir e eternizar sua obra musical e foi o divisor de águas musicais brasileiras.

MUITO OBRIGADA, João Gilberto por teres deixado um legado cultural rico e por teres sido meu contemporâneo, permitindo que eu acompanhasse tua história musical tão valiosa na minha trajetória.  
Espero que com tua partida e tudo que repercute dela, acenda uma centelha que faça renascer a qualidade musical  brasileira, atualmente tão pobre e medíocre.

MUITO OBRIGADA, João Gilberto.
Segue em paz.

Eliana Haesbaert

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Clique para ouvir Chega de Saudade, com João Gilberto: 
https://www.youtube.com/watch?v=yUuJrpP0Mak


quarta-feira, 10 de julho de 2019

MÚSICA NA MINHA VIDA Áurea Wolff (13 jun 2019)




Autora: Áurea Wolff

Entre o silêncio do meu pai, a tagarelice da minha mãe e eu, pequena, acontecia a rotina da nossa família.
Nas histórias contadas para mim, com muita  graça, por minha mãe, as canções da sua época eram repetidas em vários momentos. Aprendi e cantava com ela:

Pequeninha bem feitinha, delicada da cintura, 

Eu não sei que sorte é esta, que amor contigo não dura.

Amor contigo não da que és muito namoradeira

Por uma perdes as outras, viverás sempre solteira

Viverá sempre solteira quem muito amor faz desmancho

No fumeiro da cozinha dependurada no gancho.

Dependurada no gancho que a todos quer namorar

Se namorasse a mim só comigo tinhas casado.

Comigo tinhas casado eu ai estava disposto

Agora caso com outra por ser muito do meu gosto

Por ser muito do meu gosto e tanto do gosto dela

Vou dar meu coração a uma bonita donzela .


Aos cinco anos de idade fui para a escola, que ficava na frente da nossa casa. Aprendi todos os hinos ensinados pela professora:  Hino Nacional, Hino à Bandeira, Soldados da Pátria, canções religiosas e sertanejas. Cantava na escola e em casa.
À tarde, depois de fazer as tarefas, cantava sozinha sentada num balanço feito por meu pai, com uma corda pendurada no rancho, onde a Gersinha dormia. Cantava com toda a força  as canções que conhecia.
Passei a cantar no coral da igreja, aprendendo todas as músicas sacras e as acrescentava ao meu  ritual musical. Entre estudar, ler, escrever, ajudar minha mãe nas tarefas de casa, meus cantos estavam sempre como pano de fundo. Quando fiz o Segundo Grau, participei do coral da escola, e cantava em casa as canções que aprendia.
Hoje, voltando o meu olhar para aquele tempo da minha infância e adolescência, vejo a música como o meio de quebrar a solidão de uma casa, onde habitavam a dor e a saudade de tempos cheios de alegria. E eu tinha, de modo inconsciente, esta missão.
Vejo a música como uma sementinha que nasceu, cresceu e foi oxigenando a minha existência  com seus elementos renovadores, através dos reflexos educativos e sentimentais contidos no embalo dos sons e nas palavras belas das letras.
Cresci, casei e, de repente, tinha 5 filhos pequenos para criar e educar. Recorri à música para fazê-los dormir, para canalizar sadiamente suas energias  e para dar leveza aos momentos mais conflitivos  e exacerbados.
Durante muito tempo  os eventos religiosos eram espaços onde liberava meus anseios e sentimentos, nas canções comunitárias nos encontros e nas igrejas que frequentava.
Houve um momento em que a música brotava entre lágrimas e soluços, forçada pela necessidade de  atender às necessidades de um ser pequenino, e servia ainda para aliviar  as tensões e a dor.
A música na minha vida nasceu no silêncio, cresceu na simplicidade, sobreviveu nas  dores e mantém sua magia  me impulsionando para dar vazão aos sentimentos através do canto.
Com o passar do tempo ela criou força  e se revela na alegria da caminhada  e na gratidão a Deus    pelo milagre do amor que dá sentido a tudo que nos rodeia.
Canto para expressar com toda a força minha gratidão a Deus pela vida, e para soltar a energia existente dentro de mim, que ainda teima em se espalhar pela imensidão do universo.

           
                                                         

MUNDOS PARALELOS (Hélio Cervelin, 09 Jul 2019)



Autor: Hélio Cervelin


Escrevo porque recebo dos céus
A inspiração clara que necessito
Luz da energia do espaço sideral
Para fazer do meu verso o mais bonito

Poetas, inspirados artistas, líricos cantores
Abençoados com a grande sintonia
Embriagam-se de sonatas e louvores
Para alcançar a mais linda melodia

O ato de amar nos inspira mais e mais
E ao pensar em ti esse amor me fortalece
E os cânticos jorram em cascatas, turbilhões
Quando cai a tarde ou quando dia amanhece

Feliz é aquele que tem olhos para ver
Que a natureza canta e resplandece sem cessar
Põe-se então o poeta a escrever
Tecendo rimas, fazendo cantigas ao luar

De onde virá tão  profunda inspiração
Tantos sussurros de paixão, sublime loucura
Tantos poemas do mais intenso amor
E as tão copiosas lágrimas de ternura?

Escrever, amar, rir, chorar e cantar
É a minha sina neste lapso de vivência
Saio de mim,  para me encontrar contigo
Na eterna busca da  perene imanência

Ser feliz, triste, sereno ou desesperado
Nesta nostalgia que comove o meu ser?
Há momentos em que é impossível afirmar
Se o melhor é ficar, partir, viver ou morrer

Como será o amor nesses recantos
De estrelas cintilantes e universos sem fim?
Quero sentir de todos a mais pura essência
E lhes imploro, não deixem de esperar por mim.