
Autora: Eliana Haesbaert
Daqui
onde estou, avisto dois beija-flores disputando o bebedouro cheio com água
doce.
Eles
são muito egoístas, pois não admitem compartilhar do mesmo bebedouro que tem
quatro flores plásticas com quatro orifícios onde eles penetram seus longos
bicos e saboreiam o alimento dulcíssimo, a guisa do néctar das flores.
Resolvo
escrever não sobre um animal, mas sobre todos os bichos que habitam, frequentam
e visitam meu habitat, que o animal racional chama de lar.
São
centenas, entre insetos, aracnídeos, moluscos, ovíparos e três fêmeas da espécie dos mamíferos, minhas
duas cadelas, Kika, Bebel, e eu. Existem
outras fêmeas mamíferas, bem menores, mas delas falaremos depois.
Kika
e Bebel, por conviverem estreitamente comigo, são quase humanas no seu
comportamento manifesto de dor, alegria, desejos, contradições e sabem o
Português básico para nossa convivência: - NÃÃÃO! - Prá dentro! - Caminha! - Vem cá ou aqui! - Tá, tá, tá! Ou - Chega! Fica aí! dentre
outras palavras de comando.
Elas
acham que sou a cadela mãe e eu, por ser sozinha, quase as trato como gente.
A
Kika dorme na minha cama de casal, ocupando o travesseiro ao lado do meu e
quando quer ir para baixo das cobertas, agora, do edredom, dá-me um sinal me
cutucando com o focinho ou a pata, eu levanto as cobertas e ela se enfia por
baixo, acomodando-se aos pés da cama.
Já
a Bebel nunca recebeu liberdade para esses luxos, mas assumiu prazerosamente a
confortável caminha 80 X 80 cm e adora ficar nela,
embrulhada nos dois cobertorezinhos de lã, além da roupinha de grife Pet que
ganhou, vermelha para contrastar com o pêlo baixo preto zulu, pois é muito
friorenta.
E
vivemos as três fêmeas numa relação familiar e amorosa e interdependente.
A
passarada que frequenta assiduamente o meu território é um caso à parte.
Conquistei-os
há algumas gerações, pois há 20 anos mantenho um comedouro sobre o muro, sob a
beira do telhado da garagem, frente às basculantes da cozinha abastecido de comida, pelo menos
duas vezes por dia, onde ele se banqueteiam numa algaravia exacerbada.
Antes,
eu o abastecia com mistura de alpiste, painço e quirera, mas quando registrei
que estava gastando cerca de 300 reais com isso, passei a fornecer arroz cozido
e miolo de pão.
Os
passarinhos apresentam uma grande variedade de espetáculos.
Ocasionalmente
o comedouro é visitado por pica-paus, bem-te-vis, mas é frequentado
diariamente, quase que permanentemente por dezenas de pardais, pombas-rola, pássaros pretos e muitos canários da terra.
Eu
me deleito em assistir mamães regurgitando o alimento bico adentro de filhotes
berrões muitas vezes bem maiores que as mamães passarinho.
Assim
como o comedouro, mantenho abastecidos os dois bebedouros, um na varanda da
frente e outro na área da churrasqueira com água adoçada onde durante o dia os
colibris e os cambacicas fazem a festa e, ao anoitecer, preciso reabastecê-los
para que os morceguinhos se alimentem durante a noite. Afinal, os morcegos,
além de inofensivos, são grandes polinizadores.
Quanto
aos moluscos, temos uma relação independente.
Só
os vejo quando o terreno ficou alagado ou úmido pela chuva, então lesmas e
caracóis aparecem em
profusão. Caminho feito uma defeituosa, olhando para o chão
para não pisar nessas frágeis criaturas, carregando ou não as suas casas nas
costas. Certa vez e única, vi dois caracóis inacreditavelmente enroscados, como
se estivessem copulando, mas sei que são hermafroditas.
Até
hoje não entendi o que eles estavam fazendo naquele enrosco.
Volta
e meia me deparo com insetos estranhos e diferentes de tudo aquilo todo que
reconheço, mas não os perturbo.
Só
não permito que sobrevivam e proliferem os
repulsivos e incômodos moscas, mosquitos, baratas e pulgas.
Até
agora não citei as pererecas que aparecem ao anoitecer, sempre se exibindo onde
permanecem faixas de luz, onde ficam expostos os insetos a serem caçados. Elas
são medrosas, pois às vezes pulam para dentro de casa inadvertidamente até que
entendem que agiram errado e retornam para a rua em busca de suas presas com
aquele andar pulado e deselegante.
Preciso
contar das colônias de mamíferos engraçadinhos
e perturbadores: os minúsculos camundongos que aqui habitam em grande
quantidade.
Que
eu saiba e tenha plena consciência, existem duas populações de camundonguinhos:
aqueles que habitam sob a edícula e aqueles que moram sob a hera que fecha 30 metros de muro.
Nos
finais da tarde, estraçalho duas fatias de pão de forma e coloco no comedouro
que, durante o dia é dos pássaros, mas à noite é frequentado por eles e mais
três fatias do pão de forma espicaçadas numa bandeja de isopor que deixo no
chão da edícula. Na manhã seguinte recolho a bandeja vazia. As graciosas lagartixas vivem basicamente sob
o telhado da garagem e passeiam e caçam os insetos que aparecem sob a luz da
cozinha, através das basculantes.
E
assim vamos vivendo harmoniosamente e sem conflitos.
Adorei !!! Prazer de ler e imaginar o convívio desses seres no dia a dia de minha amiga que não é de hoje que faz isso e têm o maior respeito e prazer em compartilhar seu espaço. As pessoas podiam respeitar os seres vivos como ela. Parabéns.
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