domingo, 21 de julho de 2019

ESPÉCIES ANIMAIS QUE ANIMAM MINHA CASA [Eliana Haesbaert (Lili)]



Autora: Eliana Haesbaert

Daqui onde estou, avisto dois beija-flores disputando o bebedouro cheio com água doce.
Eles são muito egoístas, pois não admitem compartilhar do mesmo bebedouro que tem quatro flores plásticas com quatro orifícios onde eles penetram seus longos bicos e saboreiam o alimento dulcíssimo, a guisa do néctar das flores.
Resolvo escrever não sobre um animal, mas sobre todos os bichos que habitam, frequentam e visitam meu habitat, que o animal racional chama de lar.

São centenas, entre insetos, aracnídeos, moluscos, ovíparos e  três fêmeas da espécie dos mamíferos, minhas duas cadelas, Kika,  Bebel, e eu. Existem outras fêmeas mamíferas, bem menores, mas delas falaremos depois.
Kika e Bebel, por conviverem estreitamente comigo, são quase humanas no seu comportamento manifesto de dor, alegria, desejos, contradições e sabem o Português básico para nossa convivência: - NÃÃÃO! - Prá dentro! - Caminha! - Vem cá ou aqui! - Tá, tá, tá! Ou - Chega! Fica aí! dentre outras palavras de comando.
Elas acham que sou a cadela mãe e eu, por ser sozinha, quase as trato como gente.
A Kika dorme na minha cama de casal, ocupando o travesseiro ao lado do meu e quando quer ir para baixo das cobertas, agora, do edredom, dá-me um sinal me cutucando com o focinho ou a pata, eu levanto as cobertas e ela se enfia por baixo, acomodando-se aos pés da cama.
Já a Bebel nunca recebeu liberdade para esses luxos, mas assumiu prazerosamente a confortável caminha 80 X 80 cm e adora ficar nela, embrulhada nos dois cobertorezinhos de lã, além da roupinha de grife Pet que ganhou, vermelha para contrastar com o pêlo baixo preto zulu, pois é muito friorenta.
E vivemos as três fêmeas numa relação familiar e amorosa e interdependente.  

A passarada que frequenta assiduamente o meu território é um caso à parte.
Conquistei-os há algumas gerações, pois há 20 anos mantenho um comedouro sobre o muro, sob a beira do telhado da garagem, frente às basculantes  da cozinha abastecido de comida, pelo menos duas vezes por dia, onde ele se banqueteiam numa algaravia exacerbada.
Antes, eu o abastecia com mistura de alpiste, painço e quirera, mas quando registrei que estava gastando cerca de 300 reais com isso, passei a fornecer arroz cozido e miolo de pão. 
Os passarinhos apresentam uma grande variedade de espetáculos.
Ocasionalmente o comedouro é visitado por pica-paus, bem-te-vis, mas é frequentado diariamente, quase que permanentemente por dezenas de pardais, pombas-rola,  pássaros pretos e muitos canários da terra.
Eu me deleito em assistir mamães regurgitando o alimento bico adentro de filhotes berrões muitas vezes bem maiores que as mamães passarinho.
Assim como o comedouro, mantenho abastecidos os dois bebedouros, um na varanda da frente e outro na área da churrasqueira com água adoçada onde durante o dia os colibris e os cambacicas fazem a festa e, ao anoitecer, preciso reabastecê-los para que os morceguinhos se alimentem durante a noite. Afinal, os morcegos, além de inofensivos, são grandes polinizadores.
Quanto aos moluscos, temos uma relação independente.
Só os vejo quando o terreno ficou alagado ou úmido pela chuva, então lesmas e caracóis aparecem em profusão. Caminho feito uma defeituosa, olhando para o chão para não pisar nessas frágeis criaturas, carregando ou não as suas casas nas costas. Certa vez e única, vi dois caracóis inacreditavelmente enroscados, como se estivessem copulando, mas sei que são hermafroditas.
Até hoje não entendi o que eles estavam fazendo naquele enrosco.
Volta e meia me deparo com insetos estranhos e diferentes de tudo aquilo todo que reconheço, mas não os perturbo.
Só não permito que sobrevivam e proliferem  os repulsivos e incômodos moscas, mosquitos, baratas e pulgas.
Até agora não citei as pererecas que aparecem ao anoitecer, sempre se exibindo onde permanecem faixas de luz, onde ficam expostos os insetos a serem caçados. Elas são medrosas, pois às vezes pulam para dentro de casa inadvertidamente até que entendem que agiram errado e retornam para a rua em busca de suas presas com aquele andar pulado e deselegante.
Preciso contar das colônias de mamíferos engraçadinhos  e perturbadores: os minúsculos camundongos que aqui habitam em grande quantidade.
Que eu saiba e tenha plena consciência, existem duas populações de camundonguinhos: aqueles que habitam sob a edícula e aqueles que moram sob a hera que fecha 30 metros de muro.
Nos finais da tarde, estraçalho duas fatias de pão de forma e coloco no comedouro que, durante o dia é dos pássaros, mas à noite é frequentado por eles e mais três fatias do pão de forma espicaçadas numa bandeja de isopor que deixo no chão da edícula. Na manhã seguinte recolho a bandeja vazia.  As graciosas lagartixas vivem basicamente sob o telhado da garagem e passeiam e caçam os insetos que aparecem sob a luz da cozinha, através das basculantes.
E assim vamos vivendo harmoniosamente e sem conflitos.


Um comentário:

  1. Adorei !!! Prazer de ler e imaginar o convívio desses seres no dia a dia de minha amiga que não é de hoje que faz isso e têm o maior respeito e prazer em compartilhar seu espaço. As pessoas podiam respeitar os seres vivos como ela. Parabéns.

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