
Autor: Hélio Cervelin
A vida humana contém
muitos paradoxos, sendo um deles o de
somente conseguirmos reunir as condições para entender o que é ser pai depois
que nos tornamos pais, ou até mesmo depois de nos tornarmos avôs.
O meu pai era um brasileiro
de origem italiana, alto, forte e corajoso, que teve morte prematura causada
por um AVC, em 1963, aos quarenta e seis anos de idade. Não tinha ainda nenhum
neto, e partiu antes que eu completasse os meus treze anos de idade, início de
minha adolescência. Era um agricultor, mas tinha diversas outras habilidades ou
profissões. Tenho muitas lembranças boas de nossa vida no sítio.
Um dos momentos inesquecíveis da nossa convivência
foi quando ele me levou para a floresta de sua propriedade, no alto de uma
colina, situada além das roças já plantadas, onde me deixou passar o dia com ele, fazendo-lhe
companhia. Naquele dia, à força de golpes
de machado, ele derrubava árvores de madeira de lei e as esquadrejava para transformá-las
em troncos retos, destinados a serem os pilares da nova casa de madeira que ele
mandaria construir.
As casas dos
descendentes de italianos - principalmente - não poderiam prescindir jamais do porão, que era
o local em que se armazenava, em enormes pipas (barricas) de madeira, o vinho produzido no próprio sítio. Lá também
era o local utilizado pela família para
destrinchar os suínos e fazer toucinho, banha, salame e linguiças, e também para
a produção de queijos artesanais com o leite tirado das vacas leiteiras do
sítio. O trabalho era feito sobre fortes mesas de madeira maciça, todos munidos
de afiadas facas e apoiados por estranhas máquinas de moer carne e embalar as
linguiças.
Lembro-me de que ele, com
o intuito de me distrair e não ficar exposto ao perigo de algum acidente
enquanto realizava sua tarefa, cortou a base de um longo cipó que pendia de uma
alta árvore não muito distante, transformando-o num belo balanço. Assim,
agarrando com as duas mãos aquele cipó, pude ficar me balançando, indo e voltando, tal qual um jovem Tarzan das
selvas africanas, personagem este que eu só conheceria mais tarde, ao
frequentar um cinema.
Aquele dia foi para mim
de uma grande emoção de uma enorme realização. Só não consigo lembrar o porquê
dentre tantos irmãos que eu possuía - um total de dez - só eu tive o privilégio de estar com ele
naquele dia, já que, quando nasci, a família dos meus pais já era numerosa:
seis filhos. Com certeza, os meus irmãos estavam em outras atividades, adultos
que já eram.
O nome do meu pai era
Albino, e quando foi convocado para as
Forças Armadas, em 1941, aos vinte e poucos anos, já era casado com minha mãe,
Otilia. Lembro-me de ter lido algumas cartas de amor que eles trocaram durante
a permanência dele num quartel do Exército em Curitiba, onde ficou por quase
dois anos, tendo contraído febre tifoide, o que
impediu que fosse convocado para o front
da Segunda Grande Guerra Mundial.
Sua permanência nas
Forças Armadas permitiu-lhe adquirir muitas habilidades, a ponto de tornar-se líder em nossa comunidade
denominada Linha Vitória, no então município de Capinzal, neste estado de Santa
Catarina. Era ele o presidente da comissão de diáconos da capela católica e
também coordenador do coral da igreja. Era ele também quem comandava a reza do
rosário aos domingos nos quais não havia celebração de missa. Padres, naquela
comunidade e época, eram raros, e só vinham ao local para batizar ou realizar
casamentos. Era ele, também, quem realizava o sepultamento dos mortos com
exéquias celebradas em latim. Ele também organizava as quermesses da
comunidade.
Meu pai tinha noções de
primeiros socorros, aplicando injeções nos doentes, ao mesmo tempo em que
atuava como Veterinário, aplicando vacinas nos animais da vizinhança, além de
tratar das doenças do gado, realizando também castrações em bois e porcos, e aferramento
de cavalos. Chegou a atuar como ferreiro e marceneiro. Também era produtor de
vinhos, melado, açúcar e mel. Ele possuía uma gama de ferramentas para as suas mais
variadas atividades.
Não bastassem todas
essas ocupações, ainda exercia o cargo de "Inspetor de Quarteirão",
uma espécie de subdelegado distrital (comunitário) de polícia. Todos os
conflitos entre vizinhos acabavam parando em suas mãos. Talvez por isso mesmo,
pela liderança exercida, tenha sido candidato a
vereador pela coligação PSD/PTB, na década de 1950/60. Foi uma espécie
de Super-Homem, multidisciplinar.
Era um homem de ética
rígida, temente a Deus e austero em sua conduta, mas de "pavio curto". Passou por muitos sofrimentos no difícil
trabalho da lavoura, uma vez que o solo era
pedregoso e íngreme e o clima adverso, fazendo muito frio naquela região,
cujas intempéries chegavam a comprometer as safras de trigo, milho e feijão.
Normalmente, quando o clima ajudava e a safra era boa, os preços caíam. Não
havia preços mínimos regulados pelo governo naquela época. Muito menos o
"seguro-safra", como é hoje em
dia.
Perdeu dois filhos de
dois anos e meio de idade devido à difteria (conhecida na época por crupe), uma
doença nefasta, que trancava as vias respiratórias, e para a qual não havia
vacinas na época. Situações traumáticas, só absorvidas devido à ação da
religião católica, que para tudo tinha uma explicação: a vontade de Deus.
Comparando o mundo
daquela época com as facilidades de hoje, trazidas pela tecnologia, posso
afirmar que o meu pai e todos os pais agricultores da época foram grandes
heróis, magníficos heróis! E também escravos do trabalho braçal. Uma época de
angústias causadas por doenças e acidentes no trabalho só compreendida por quem
viveu naqueles dias.
Muito obrigado, meu
querido pai! A cada dia que passa te entendo, te amo e te respeito mais e mais.
"Aprendemos a ser
filhos depois que somos pais. Só aprendemos a ser pais depois que somos
avós..." (Afonso Romano de Sant'Anna in Para
quem é pai).
Sabe querido colega Hélio, sua linda história emocionante, me remeteu ao convívio de minha família numerosa de nove filhos e muitas passagens não diferentes a que vc passou , e parece um filme feito por nós e de nós , muito bom dar valor as coisas que tem valor neste mundo passageiro , parabéns pela emoção aqui deixada.
ResponderExcluirObrigado, querida colega!
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