domingo, 25 de agosto de 2019

MULHER COM UM BURACO NO CORAÇÃO (Querubina Ribas)



Autora: Querubina Ribas

A chuva fina bate forte na minha janela. E, mesmo com os vidros fechados,  eu posso ouvir o vento forte que vem do sul. Puxei o cobertor. Acomodei os travesseiros e me preparei para um dia especial.
Antes de começar a ler o livro, li os breves dados sobre a autora. Cheryl Strayed escreve contos e ensaios para jornais e revistas americanas. Seu livro “ LIVRE A JORNADA DE UMA MULHER EM BUSCA DO RECOMEÇO", foi um dos livros mais vendidos na lista do New York Times. Foi um sucesso.
A foto que aparece na orelha mostra uma jovem com um sorriso enigmático. Não é tão misterioso como da Mona Lisa, mas me deixou com uma dúvida, se era um sorriso triste ou forçado. A autora conta sua própria história. Desesperada com a morte da mãe, inconformada com o fim do casamento, resolveu abandonar tudo e caminhar 1700 quilômetros por uma trilha. O início  da caminhada - desse encontro consigo mesma -- começou no sudoeste da Califórnia. Nas primeiras semanas, ela atravessou o deserto de Mojave. O mais árido e seco deserto americano. O  nome Mojave vem de uma espécie de cascavel que predomina nessa região. E, as cascavéis eram, no início da caminhada, a grande preocupação de Cheryl, além dos ursos e dos ferozes pumas, que segundo os noticiários, haviam comido três mulheres caminhantes solitárias, como ela. Outra preocupação era encontrar algum serial killer ou maníaco sexual no seu longo caminho.
O mundo está cheio de coisas aterradoras nos centros urbanos, e, por que seria diferente numa trilha deserta. Se essa mulher “ com um buraco o coração” queria provar para si mesma que era capaz de superar desafios, a caminhada através de um árido, difícil e longo caminho era um excelente teste, pensei.
Moro há quarenta anos no meio do mato. Todo verão encontramos cobras, em volta da casa. Dias desses,  a moça que  nos ajuda nos serviços, ligou dizendo que não podia entrar porque tinha uma jararaca dormindo em cima do tapete, na frente da porta. Quando fizemos a casa, combinamos que não mataríamos “ essas gentes da natureza” uma vez que nós é que tínhamos  invadido o habitat delas. Assim peguei uma vassoura, abri a porta e acordei a jararaca, com um leve toque. Ela se arrastou rapidamente e foi se esconder numa moita. Sempre tive mais medo de gente que de bichos.
Voltando ao livro, antes mesmo de terminá-lo, sabia que Cheryl iria aprender que os homens são mais letais, ferozes e perigosos que as cascavéis, os ursos e os pumas. Ela atravessou montanhas, rios, vales e florestas. Num final de um dia, acampou em Sierra Nevada, a dois mil metros de altitude. Do alto da cordilheira viu o sol se esconder, as estrelas e a lua surgirem e, no silêncio da noite, sozinha há muito tempo, se deu conta que todos os problemas  do passado que a fizeram chorar, se lamentar, usar drogas, haviam desaparecido. Seguiu em frente. Às vezes com medo, outras indecisa sobre o caminho que deveria seguir. Atravessou uma montanha nevada com quatro mil metros de altitude. Embora outros trilheiros  a tenham convidado para acompanhá-los, decidiu enfrentar sozinha os desafios da caminhada.
Nesta, parte do livro, lembrei-me de outro livro que li, há muitos anos passados e que desencadeou forte emoções na minha vida, naquela época: Los Cosmonautas de las Cosmopistas, de Cortazar. Nele, o autor narra uma inusitada viagem entre Paris e Marselha. “ Quién podría sospechar que no íbamos e ninguna parte”. Nos trinta e três dias que ficaram indo e vindo, sem se afastar do caminho que inicialmente escolheram para percorrer, Cortazar e Dunlop, sua mulher, nos levam a refletir  sobre os caminhos que escolhemos para percorrer e na dificuldade que temos de abandoná-los por mais difíceis que eles sejam. O medo do novo, do desconhecido faz com que não nos afastemos do que havíamos planejado.
Cheryl escolheu um dificílimo caminho. Enfrentou todo tipo de desafios para percorrê-lo. Muitas vezes teve de desistir. À noite, com as costas em carne viva por ter carregado uma pesada mochila durante horas, com os pés cheios de bolhas e calos, perguntava para si mesma, em voz alta, “ quem é mais durona do que eu”. E respondia  no mesmo tom de voz” NINGUÉM”. Descobriu, enfim, que era forte para suportar todas as dores que surgem na vida, sejam elas emocionais ou físicas. E que era inteligente e capaz de agir de forma surpreendente para resolver os problemas que aparecessem. Percebeu que tinha capacidade e força para suportar o que parecia insuportável.
Certo dia, ela caminhava tranquila por uma trilha e se deparou com um enorme urso. Parou. Ficaram frente a frente. Olhos nos olhos.  Naquele momento, sem nada para fazer, ela tirou um apito do bolso e soprou o mais forte que pode. O urso surpreso e amedrontado fugiu, mas foi na mesma direção que ela deveria seguir. Resolveu avisá-lo que estava no caminho e começou a cantar bem alto, o mais alto que pode.
Fiquei pensando se nós frente a um grande perigo, um sério problema, aparentemente, sem solução não deveríamos tomar as mais esquisitas, absurdas e inexplicáveis atitudes. Em vez  de ficarmos inertes, deprimidos, sem ação, deveríamos fazer o que Cheryl fez: tirar um apito do bolso, soprar bem alto, sinalizando que iremos seguir nosso caminho, com passos firmes e… cantando.                                                                                          

Um comentário:

  1. Amei! Ode de amor a vida! De otimismo, de esperança, de confiança no amanhã, de fé em si mesma e no futuro.

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