
Autora: Querubina Ribas
A chuva fina bate forte na minha janela. E, mesmo com os
vidros fechados, eu posso ouvir o vento
forte que vem do sul. Puxei o cobertor. Acomodei os travesseiros e me preparei
para um dia especial.
Antes de começar a ler o livro, li os breves dados sobre a
autora. Cheryl Strayed escreve contos e ensaios para jornais e revistas
americanas. Seu livro “ LIVRE A JORNADA DE UMA MULHER EM BUSCA DO
RECOMEÇO", foi um dos livros mais vendidos na lista do New York Times. Foi
um sucesso.
A foto que aparece na orelha mostra uma jovem com um sorriso
enigmático. Não é tão misterioso como da Mona Lisa, mas me deixou com uma
dúvida, se era um sorriso triste ou forçado. A autora conta sua própria
história. Desesperada com a morte da mãe, inconformada com o fim do casamento,
resolveu abandonar tudo e caminhar 1700 quilômetros por uma trilha. O
início da caminhada - desse encontro
consigo mesma -- começou no sudoeste da Califórnia. Nas primeiras semanas, ela
atravessou o deserto de Mojave. O mais árido e seco deserto americano. O nome Mojave vem de uma espécie de cascavel
que predomina nessa região. E, as cascavéis eram, no início da caminhada, a
grande preocupação de Cheryl, além dos ursos e dos ferozes pumas, que segundo
os noticiários, haviam comido três mulheres caminhantes solitárias, como ela.
Outra preocupação era encontrar algum serial killer ou maníaco sexual no seu
longo caminho.
O mundo está cheio de coisas aterradoras nos centros urbanos,
e, por que seria diferente numa trilha deserta. Se essa mulher “ com um buraco
o coração” queria provar para si mesma que era capaz de superar desafios, a
caminhada através de um árido, difícil e longo caminho era um excelente teste,
pensei.
Moro há quarenta anos no meio do mato. Todo verão encontramos
cobras, em volta da casa. Dias desses, a
moça que nos ajuda nos serviços, ligou
dizendo que não podia entrar porque tinha uma jararaca dormindo em cima do
tapete, na frente da porta. Quando fizemos a casa, combinamos que não mataríamos
“ essas gentes da natureza” uma vez que nós é que tínhamos invadido o habitat delas. Assim peguei uma
vassoura, abri a porta e acordei a jararaca, com um leve toque. Ela se arrastou
rapidamente e foi se esconder numa moita. Sempre tive mais medo de gente que de
bichos.
Voltando ao livro, antes mesmo de terminá-lo, sabia que
Cheryl iria aprender que os homens são mais letais, ferozes e perigosos que as
cascavéis, os ursos e os pumas. Ela atravessou montanhas, rios, vales e
florestas. Num final de um dia, acampou em Sierra Nevada, a dois mil metros de
altitude. Do alto da cordilheira viu o sol se esconder, as estrelas e a lua
surgirem e, no silêncio da noite, sozinha há muito tempo, se deu conta que
todos os problemas do passado que a
fizeram chorar, se lamentar, usar drogas, haviam desaparecido. Seguiu em
frente. Às vezes com medo, outras indecisa sobre o caminho que deveria seguir.
Atravessou uma montanha nevada com quatro mil metros de altitude. Embora outros
trilheiros a tenham convidado para acompanhá-los,
decidiu enfrentar sozinha os desafios da caminhada.
Nesta, parte do livro, lembrei-me de outro livro que li, há
muitos anos passados e que desencadeou forte emoções na minha vida, naquela
época: Los Cosmonautas de las Cosmopistas, de Cortazar. Nele, o autor narra uma
inusitada viagem entre Paris e Marselha. “ Quién podría sospechar que no íbamos
e ninguna parte”. Nos trinta e três dias que ficaram indo e vindo, sem se
afastar do caminho que inicialmente escolheram para percorrer, Cortazar e Dunlop,
sua mulher, nos levam a refletir sobre
os caminhos que escolhemos para percorrer e na dificuldade que temos de
abandoná-los por mais difíceis que eles sejam. O medo do novo, do desconhecido
faz com que não nos afastemos do que havíamos planejado.
Cheryl escolheu um dificílimo caminho. Enfrentou todo tipo de
desafios para percorrê-lo. Muitas vezes teve de desistir. À noite, com as
costas em carne viva por ter carregado uma pesada mochila durante horas, com os
pés cheios de bolhas e calos, perguntava para si mesma, em voz alta, “ quem é
mais durona do que eu”. E respondia no
mesmo tom de voz” NINGUÉM”. Descobriu, enfim, que era forte para suportar todas
as dores que surgem na vida, sejam elas emocionais ou físicas. E que era
inteligente e capaz de agir de forma surpreendente para resolver os problemas
que aparecessem. Percebeu que tinha capacidade e força para suportar o que
parecia insuportável.
Certo dia, ela caminhava tranquila por uma trilha e se
deparou com um enorme urso. Parou. Ficaram frente a frente. Olhos nos
olhos. Naquele momento, sem nada para
fazer, ela tirou um apito do bolso e soprou o mais forte que pode. O urso
surpreso e amedrontado fugiu, mas foi na mesma direção que ela deveria seguir.
Resolveu avisá-lo que estava no caminho e começou a cantar bem alto, o mais
alto que pode.
Fiquei pensando se nós frente a um grande perigo, um sério
problema, aparentemente, sem solução não deveríamos tomar as mais esquisitas,
absurdas e inexplicáveis atitudes. Em vez
de ficarmos inertes, deprimidos, sem ação, deveríamos fazer o que Cheryl
fez: tirar um apito do bolso, soprar bem alto, sinalizando que iremos seguir
nosso caminho, com passos firmes e… cantando.
Amei! Ode de amor a vida! De otimismo, de esperança, de confiança no amanhã, de fé em si mesma e no futuro.
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