
Autora: Eliana Haesbaert
Com sete décadas vividas, pode-se dar
ao luxo de comentá-las honesta e sinceramente.
Fazer isso sem causar danos a quem
quer que seja, sem ter novas aspirações, pois o tempo útil está se esvaindo e a
finitude encontra-se cada vez mais perto é, na realidade, um privilégio.
Privilégio por ter saúde, lucidez e
possibilidade de registrar esses pensamentos, enquanto sabe-se que a grande
maioria dos brasileiros das regiões sul e sudeste morrem na faixa dos 70 anos
de idade, agora, pois quando eu era estudante a média aqui era de 57 anos.
Nunca tive medo da morte, somente não
gostaria que ela me trouxesse dores e sofrimento e, pior, que seja demorada e
lenta.
Pediria que minha morte fosse como
dizem os muçulmanos, em deferência ao próximo:
“Vida
longa e morte rápida!”
Quanto a ir para outra dimensão ou
para um novo ciclo de aperfeiçoamento, chegarei lá com uma bagagem boa de tudo
que vivi e aprendi nesta breve passagem.
Falo e penso na morte com naturalidade,
pois a vida é apenas tudo aquilo que acontece entre o nascimento e a morte e
entendo que ela é apenas o fim do corpo físico, essa matéria que usamos
emprestada que não vale mais nada.
A civilização ocidental cristã é que
dramatizou a morte, criando um ritual funesto e caro, criou o luto e até as
carpideiras, aquelas mulheres pagas para chorar muito e o tempo todo nos
velórios.
Felizmente essa bizarrice acabou.
Mas quero falar aqui da vida que me
encanta e foi camarada comigo.
Basta deletar os maus momentos, pois
de nada adianta chorá-los e perpetuá-los.
Isso é puro masoquismo.
A gente apenas abandona os maus
momentos lá no fundo do baú da memória e cuida de deixá-los adormecidos, pois
cada vez que eles vêm à tona, incomodam, tumultuam e às vezes demoram a se
aquietar.
Como escreveu Pedro Nava, “não sinto raiva, mas tenho memória”.
E a minha memória passada a limpo, me
mostra uma infância, adolescência e
mocidade felizes, a maturidade com altos e baixos, penúrias e farturas, como
tudo na vida é como o movimento das ondas do mar. Fazem parte do moto contínuo.
Tudo, tudinho tem os dois lados: o
positivo e o negativo ao longo da existência e a gente vai vivendo, aprendendo,
superando e se reinventando.
O tempo todo.
A cada percalço, eu dizia: “Se garoar, já passo o rodo!".
E com isso aprendi e pratiquei ótimas
faxinas no meu viver. Até chegar no aqui, agora.
Nesta envelhecência gratificante,
prazerosa, quando a liberdade que tenho não tem preço.
E os sentimentos ficaram mais brandos.
Não tenho mais pressa de nada, fiquei
mais tolerante,
cuidadosa e, por que não confessar?
Egoísta também.
Resolvi que posso me dar o direito de
não me sacrificar pelos outros e só fazer aquilo que quero, que gosto, uma vez
que não estou prejudicando ninguém.
Sinto-me na obrigação de confessar que
não me arrependo de nada, somente sinto arrependimento daquilo que não pude
fazer nesta vida, como viver morando em Paris, nas décadas de 20 e 30, entre as
duas grandes guerras, quando Paris, a Cidade Luz, protagonizou os dias
alucinados e esfuziantes, numa orgia cultura imensa.
Porém até isso eu pude compensar lendo
muito sobre essa época e vendo vários filmes com esse cenário de fundo.
Paris é, acima de tudo o “savoir
vivre” no “savoir faire”.
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