segunda-feira, 12 de agosto de 2019

VIAGEM AO INTERIOR DE MIM MESMA (Eliana Haesbaert)


Autora: Eliana Haesbaert


Com sete décadas vividas, pode-se dar ao luxo de comentá-las honesta e sinceramente.

Fazer isso sem causar danos a quem quer que seja, sem ter novas aspirações, pois o tempo útil está se esvaindo e a finitude encontra-se cada vez mais perto é, na realidade, um privilégio.
Privilégio por ter saúde, lucidez e possibilidade de registrar esses pensamentos, enquanto sabe-se que a grande maioria dos brasileiros das regiões sul e sudeste morrem na faixa dos 70 anos de idade, agora, pois quando eu era estudante a média aqui era de 57 anos.

Nunca tive medo da morte, somente não gostaria que ela me trouxesse dores e sofrimento e, pior, que seja demorada e lenta.
Pediria que minha morte fosse como dizem os muçulmanos, em deferência ao próximo:
Vida longa e morte rápida!”

Quanto a ir para outra dimensão ou para um novo ciclo de aperfeiçoamento, chegarei lá com uma bagagem boa de tudo que vivi e aprendi nesta breve passagem.
Falo e penso na morte com naturalidade, pois a vida é apenas tudo aquilo que acontece entre o nascimento e a morte e entendo que ela é apenas o fim do corpo físico, essa matéria que usamos emprestada que não vale mais nada.

A civilização ocidental cristã é que dramatizou a morte, criando um ritual funesto e caro, criou o luto e até as carpideiras, aquelas mulheres pagas para chorar muito e o tempo todo nos velórios.
Felizmente essa bizarrice acabou.

Mas quero falar aqui da vida que me encanta e foi camarada comigo.
Basta deletar os maus momentos, pois de nada adianta chorá-los e perpetuá-los.
Isso é puro masoquismo.
A gente apenas abandona os maus momentos lá no fundo do baú da memória e cuida de deixá-los adormecidos, pois cada vez que eles vêm à tona, incomodam, tumultuam e às vezes demoram a se aquietar.

Como escreveu Pedro Nava, “não sinto raiva, mas tenho memória”.
E a minha memória passada a limpo, me mostra uma infância,  adolescência e mocidade felizes, a maturidade com altos e baixos, penúrias e farturas, como tudo na vida é como o movimento das ondas do mar. Fazem parte do moto contínuo.
Tudo, tudinho tem os dois lados: o positivo e o negativo ao longo da existência e a gente vai vivendo, aprendendo, superando e se reinventando.
O tempo todo.
A cada percalço, eu dizia: “Se garoar, já passo o rodo!".
E com isso aprendi e pratiquei ótimas faxinas no meu viver. Até chegar no aqui, agora.
Nesta envelhecência gratificante, prazerosa, quando a liberdade que tenho não tem preço.
E os sentimentos ficaram mais brandos.
Não tenho mais pressa de nada, fiquei mais tolerante,   
cuidadosa e, por que não confessar? Egoísta também.
Resolvi que posso me dar o direito de não me sacrificar pelos outros e só fazer aquilo que quero, que gosto, uma vez que não estou prejudicando ninguém.

Sinto-me na obrigação de confessar que não me arrependo de nada, somente sinto arrependimento daquilo que não pude fazer nesta vida, como viver morando em Paris, nas décadas de 20 e 30, entre as duas grandes guerras, quando Paris, a Cidade Luz, protagonizou os dias alucinados e esfuziantes, numa orgia cultura imensa.

Porém até isso eu pude compensar lendo muito sobre essa época e vendo vários filmes com esse cenário de fundo.
Paris é, acima de tudo o “savoir vivre” no “savoir faire”.




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