
Autor: João Alvaro
Em meados dos anos 1970, estava trabalhando
em meu primeiro emprego depois de formado. Após alguns meses de
trabalho, morando sozinho, longe de casa (em outro Estado) e com
dinheiro no bolso, decidi que chegara a hora de comprar o meu primeiro
automóvel. Na minha procura só tive olhos para um fusca ano 1976 que estava na
vitrine da concessionária Volkswagen da cidade.
Assim, num final de tarde, depois de um
dia extenuante de trabalho no calor tropical do verão de Paranavaí, estado do
Paraná, ao retornar para a cidade após a tarefa de marcar a ferro e vacinar
bezerras contra a brucelose bovina, e com muita ansiedade, fui direto à recepção
da loja para comprá-lo.
O vendedor, ao olhar para a minha roupa
suja - possivelmente eu estava desgrenhado e barbudo, pois naquele tempo eu
usava uma barba comprida - deve ter pensado que seria perda de tempo me atender,
e não deu nenhuma importância aos meus pedidos de informação. Diante da
situação consegui apenas descobrir que aquele carro já estava vendido e ainda
não tinha sido retirado da loja.
Em meio a esse mal estar decidi não
sair humilhado. Humilhado! Era assim que me sentia naquela hora. Certifiquei-me
de estar com o talão de cheques no bolso e então fui ao gerente, no fundo da
loja, e perguntei-lhe qual era o preço do fusca zero Km, pois queria comprar
um. E indaguei: - À vista tem desconto?
Após ele explicar que não possuía o
modelo para pronta entrega e que ele demoraria cerca de 15 dias para chegar, eu
lhe disse que aguardaria por esse tempo. Então escolhemos a cor pelo catálogo, uma cor
nova, um amarelo areia claro, discreto e moderno. Assinei os papeis e fiz o pagamento
com cheque à vista. Saí triunfante da loja, pensando: “sou dono de um fusca
zero! Agora é só comemorar com os amigos... com muito chope, é claro!".
Nos dias seguintes fiquei aguardando,
enquanto minha mente fazia planos das futuras viagens e de todas as
possibilidades que surgiriam com o carro novo.
Naquele tempo, como habitante novo daquela
cidade, resolvi que aos sábados escolheria um bairro para conhecer, e me propus
a andar a pé para melhor aproveitar os detalhes, distâncias e pontos de referência
interessantes. Afinal, tudo indicava que seria naquela cidade que eu iria viver
por muito tempo.
Assim, no primeiro sábado após a compra
do fusca, fui andar, e atravessei o bairro Jardim Progresso - já visitado
anteriormente - e entrei no Jardim São Jorge, onde, após algumas quadras,
passei a observar várias casas com incrível semelhança e isso me chamou à
atenção, pois não era um conjunto habitacional e essas casas estavam
aleatoriamente localizadas entre outras diferentes. Andei outra quadra e a
situação se repetiu então em uma delas, nova, parecendo recém-pintada, havia
uma placa: vende-se.
Mais adiante, um senhor de meia idade
tomava chimarrão à sombra de uma sibipiruna, uma árvore muito usada na
arborização em áreas urbanas. Indaguei-lhe sobre a casa e, entre uma e outra
cuia de chimarrão, descobri que o Sr. Elói era simplesmente o construtor de
todas as casinhas que estavam me chamando à atenção, e aquela que ostentava a
placa "vende-se" era a última construída e o piso de parquet estava
com o sinteco secando.
"Para olhar por dentro é melhor
esperar para amanhã", informou ele. Disse-lhe que era mais por curiosidade
que por interesse em comprar, já que não dispunha do dinheiro no momento, pois
eu o havia utilizado todo para pagar um fusca zero, o qual estava
aguardando chegar à concessionária para retirá-lo.
Para minha surpresa ele me passou um
molho de chaves, dizendo: eu aceito o carro como parte do pagamento, porque meu
filho, também chamado Elói, passou no concurso do Banestado, e quero muito dar um carro
de presente para ele. E mais: dou prazo de seis meses para você ir pagando o
restante, como puder. Assim, fomos nos acertando nos pagamentos, e ao final não
tive o prazer de retirar o fusca zero da concessionária, mas foi ele quem teve
esse privilégio. Para mim o prazer foi maior: as chaves da minha primeira casa!
Com o passar do tempo vim a conhecer seu
filho Elói, e nos tornamos amigos. Por coincidência, minha futura esposa também
trabalhava na mesma agência bancária, e esta nossa convivência perdurou por
muitos anos, até ambos se aposentarem.
Somos amigos até hoje.
Após escrever esse texto me dei conta de
que nunca havia mencionado esses episódios ao Elói e pedi à minha esposa que
passasse um Whatsapp perguntando se ele havia ganhado um fusca quando entrou no
banco. Para nossa surpresa ele disse que não. E completou afirmando inclusive que quando ele
se casou também comprou uma das casas construídas pelo pai, e que também ele
entregara um fusca como parte do pagamento!
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