quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

O CARRO QUE NÃO TIVE (João Alvaro)


Autor: João Alvaro

Em meados dos anos 1970, estava trabalhando em meu primeiro emprego depois de formado. Após alguns meses de trabalho, morando sozinho, longe de casa (em outro Estado) e com dinheiro no bolso, decidi que chegara a hora de comprar o meu primeiro automóvel. Na minha procura só tive olhos para um fusca ano 1976 que estava na vitrine da concessionária Volkswagen da cidade. 
Assim, num final de tarde, depois de um dia extenuante de trabalho no calor tropical do verão de Paranavaí, estado do Paraná, ao retornar para a cidade após a tarefa de marcar a ferro e vacinar bezerras contra a brucelose bovina, e com muita ansiedade, fui direto à recepção da loja para comprá-lo.
O vendedor, ao olhar para a minha roupa suja - possivelmente eu estava desgrenhado e barbudo, pois naquele tempo eu usava uma barba comprida - deve ter pensado que seria perda de tempo me atender, e não deu nenhuma importância aos meus pedidos de informação. Diante da situação consegui apenas descobrir que aquele carro já estava vendido e ainda não tinha sido retirado da loja.
Em meio a esse mal estar decidi não sair humilhado. Humilhado! Era assim que me sentia naquela hora. Certifiquei-me de estar com o talão de cheques no bolso e então fui ao gerente, no fundo da loja, e perguntei-lhe qual era o preço do fusca zero Km, pois queria comprar um. E indaguei: - À vista tem desconto?
Após ele explicar que não possuía o modelo para pronta entrega e que ele demoraria cerca de 15 dias para chegar, eu lhe disse que aguardaria por esse tempo.  Então escolhemos a cor pelo catálogo, uma cor nova, um amarelo areia claro, discreto e moderno. Assinei os papeis e fiz o pagamento com cheque à vista. Saí triunfante da loja, pensando: “sou dono de um fusca zero! Agora é só comemorar com os amigos... com muito chope, é claro!".
Nos dias seguintes fiquei aguardando, enquanto minha mente fazia planos das futuras viagens e de todas as possibilidades que surgiriam com o carro novo.
Naquele tempo, como habitante novo daquela cidade, resolvi que aos sábados escolheria um bairro para conhecer, e me propus a andar a pé para melhor aproveitar os detalhes, distâncias e pontos de referência interessantes. Afinal, tudo indicava que seria naquela cidade que eu iria viver por muito tempo.
Assim, no primeiro sábado após a compra do fusca, fui andar, e atravessei o bairro Jardim Progresso - já visitado anteriormente - e entrei no Jardim São Jorge, onde, após algumas quadras, passei a observar várias casas com incrível semelhança e isso me chamou à atenção, pois não era um conjunto habitacional e essas casas estavam aleatoriamente localizadas entre outras diferentes. Andei outra quadra e a situação se repetiu então em uma delas, nova, parecendo recém-pintada, havia uma placa: vende-se.
Mais adiante, um senhor de meia idade tomava chimarrão à sombra de uma sibipiruna, uma árvore muito usada na arborização em áreas urbanas. Indaguei-lhe sobre a casa e, entre uma e outra cuia de chimarrão, descobri que o Sr. Elói era simplesmente o construtor de todas as casinhas que estavam me chamando à atenção, e aquela que ostentava a placa "vende-se" era a última construída e o piso de parquet estava com o sinteco secando.
"Para olhar por dentro é melhor esperar para amanhã", informou ele. Disse-lhe que era mais por curiosidade que por interesse em comprar, já que não dispunha do dinheiro no momento, pois eu o havia utilizado todo para pagar um fusca zero, o qual estava aguardando chegar à concessionária para retirá-lo.
Para minha surpresa ele me passou um molho de chaves, dizendo: eu aceito o carro como parte do pagamento, porque meu filho, também chamado Elói, passou no concurso do Banestado, e quero muito dar um carro de presente para ele. E mais: dou prazo de seis meses para você ir pagando o restante, como puder. Assim, fomos nos acertando nos pagamentos, e ao final não tive o prazer de retirar o fusca zero da concessionária, mas foi ele quem teve esse privilégio. Para mim o prazer foi maior: as chaves da minha primeira casa!
Com o passar do tempo vim a conhecer seu filho Elói, e nos tornamos amigos. Por coincidência, minha futura esposa também trabalhava na mesma agência bancária, e esta nossa convivência perdurou por muitos anos, até ambos  se aposentarem. Somos amigos até hoje.
Após escrever esse texto me dei conta de que nunca havia mencionado esses episódios ao Elói e pedi à minha esposa que passasse um Whatsapp perguntando se ele havia ganhado um fusca quando entrou no banco. Para nossa surpresa ele disse que não.  E completou afirmando inclusive que quando ele se casou também comprou uma das casas construídas pelo pai, e que também ele entregara um fusca como parte do pagamento!


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