segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

RETALHOS DE MINHA INFÂNCIA (Delva Robles)

Autora: Delva Robles
Às vezes, coisas muito simples nos remetem ao passado.  Hoje foram bananas.  Uma linda penca de bananas sobre a mesa me remeteu a um passado longínquo. 
Meu pai tinha uma atração por elas. Sempre tínhamos bananeiras plantadas ao redor da casa onde morávamos. E quase sempre havia um cacho de bananas que era colhido “diveis” (ou de vez, ou seja, no ponto onde deveriam começar a madurar), e elas sempre amadureciam obedecendo a mesma ordem de nascimento. Primeiro as mais velhas, depois as mais novas.  Papai tratava com muito carinho o cacho apanhado.  Colocava-o num ambiente escuro para o amadurecimento ser lento e as bananas não estragarem.
Minha infância foi partilhada com galinhas, vacas, cavalos, porcos, carneiros,  cabritos,  cachorros, gatos, patos, gansos e até macacos. Sim... minha avó tinha um macaquinho que ela adorava.  Ele ficava preso a uma corda, no quintal, e quando escapava, corria para o quarto dela e se enrolava em seu pescoço.  Sempre tivemos papagaios em casa.  E nós ensinávamos a eles todos os nossos apelidos, era muito divertido ouvi-lo nos chamar.  Geralmente eles sabiam também alguns palavrões que meus irmãos mais velhos ensinavam a eles.
Havia um pomar imenso com laranjas, mexericas, poncãs, pinhas, amoras, abacates, carambolas, mangas, mamões.   Subíamos nos pés das frutas, e lá saboreávamos na fonte.
Nos pés de abacate, que são mais altos, brincávamos de saltar de galho em galho, como fazem os macacos.  Brincadeira   perigosa que nos deu muitos tombos.  Era assim: você se segurava em um galho e visualizava outro galho que você iria pegar, então balançava o corpo como num trapézio e bingo... soltava este e pegava aquele com precisão.
Havia também uma represa em que nadávamos todos os dias.  E lá também havia riscos enormes...  Mergulhávamos e passávamos por baixo de imensos  galhos  podres  caídos no rio.  Além disso, havia o cafezal... longas filas de pés de café onde brincávamos de esconde-esconde.  Nos enfiávamos debaixo daqueles pés de café sem nos importarmos com cobras, aranhas e escorpiões.  O máximo que nos acontecia - e isso era frequente - era pisarmos em pregos enferrujados.  Então mamãe mergulhava nossos pés em urina e cânfora e amarrava um pano... um trapo, como dizia minha avó, a melhora viria em poucos dias.
No terreiro ficavam os montes de café secando, cobertos com encerados.  E ao entardecer, no início da noite, muitas vezes sob a luz da lua e das estrelas, corríamos   descalças, rindo alto,   por aquele terreiro, subindo e descendo nos montes de café ou caçando vagalumes. (vagalume tem tem... teu pai tá aqui, tua mãe também).
Ainda me lembro do prazer que sentia ao procurar e encontrar ninhos de galinhas cheios de ovos. Era minha tarefa principal: colher os ovos nos ninhos.
Sinto o sabor do suco de amora... eu mesma as apanhava e as espremia na peneira.  Sinto o cheiro do pão sendo assado no forno a lenha, sobre uma folha de bananeira... do curau, da pamonha, do doce de abóbora, de mamão, do arroz doce com sabor de  canela, do caldeirão cheio de leite, com  uma nata grossa e saborosa, sempre em cima do fogão a lenha.
Não me lembro de presentes no Natal. Lembro-me, neste dia, de mesa farta, com muito vinho, músicas de  Nat King Cole, Sarita Montiel, Miguel Aceves Mejia, Cascatinha e Inhana  e outros artistas da época invadindo o ar, saindo pelas janelas abertas e perdendo-se na vastidão dos cafezais em flor.


Música: FLOR DO CAFEZAL (CASCATINHA E INHANA) - edição especial

https://www.youtube.com/watch?v=xb09vF8siKU



2 comentários:

  1. Que infância maravilhosa você teve, Delva! Agradeça a Deus todos os dias por isso, pois são raras as pessoas conseguem ter uma infância assim.

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  2. Hélio concordo com voce e eu sempre agradeço....mas.....são retalhos e retalhos une através da costura pequenas sobras que podem ser de seda ou de chita e algodão.

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