
Autor: Hélio Cervelin
“O
futuro da igreja [Renascer em Cristo]
está nas mãos de Deus”. (Bispa
Sônia, líder evangélica; Revista ISTOÉ n.º 2183, página 65, 14 set 2011).
Dar
excessiva importância a um Deus-Salvador é, a nosso ver, um equívoco que a
grande e esmagadora maioria da humanidade cometem, inclusive os seus
denominados "líderes" ou "pastores", como essa senhora citada, acima. A bem da verdade, são eles que
nos ensinam assim.
Partimos
do pressuposto de que Deus, "essa força descomunal, desconhecida e sem
forma definida", não pode ser responsabilizado por todas as mazelas que
nos cercam neste planeta. Da forma como é imaginado, esse ser "todo-poderoso,
criador do Céu e da Terra e de todas as coisas que existem", tem muito
mais a fazer em um Universo tão grandioso e fenomenal em que estamos inseridos,
o qual a ciência nos apresenta cada dia mais complexo, compilando informações sistemáticas
e atualizadas sobre ele.
Perante
um histórico de escândalos e falhas generalizadas, poder-se-ia afirmar, com
toda a convicção, que quem provocou a decadência da citada igreja não foi Deus,
mas, sim, a má gestão a ela aplicada, através da ganância e de outras atitudes equivocadas
de seus dirigentes, fartamente divulgadas pela imprensa há pouco tempo. E este
equívoco de se atribuir tudo à “vontade de Deus” transparece no momento em que
nos "esquecemos" ou desconhecemos a vastidão do Universo e de como
funcionam seus mecanismos, e corremos - apressadamente - em busca de alguém a
quem responsabilizar pelos nossos fracassos.
Em
relação à grandeza do Universo - que alguns cientistas preferem denominar
"indefinido" em vez de "infinito" ou "sem fim" -
o Brasil, apesar de toda a sua grandiosidade e extensão, comparativamente ao Universo, equivaleria a
um minúsculo pontinho, um habitante, apenas, de um determinado país, digamos da
Somália, um país da África. Para simplificar, façamos de conta que o gigantesco
Brasil, quando comparado ao Universo inteiro, seria equivalente a uma pessoa, um simples cidadão
somali, queimado pelo sol escaldante da África, visto do espaço.
Então
imaginemos Deus, com tantos afazeres: comando geral de todas as galáxias; licenciamento
de supernaves espaciais; autorizações para projetos de expansão de frotas estelares;
autorização para a explosão de planetas atrasados, controle dos soluços solares
e vigilância sobre os buracos negros; controle das fronteiras intergalácticas e
interplanetárias, dentre outras tantas preocupações, atendo-se a um simples
somali, um habitante do interior de um país miserável, localizado no interior
de um continente paupérrimo, representado como sendo o Brasil.
Quanto
ao nosso planeta como um todo, vejamos quantas coisas mais importantes haveria
para tomar o tempo do Criador: numa ordem de preocupação, mais importante que
um único somali seria sua aldeia, sua vila, sua cidade, seu estado, seu país e,
depois, o Continente Africano. Depois disso, viriam os demais continentes, incluindo
todos os seres espalhados pela face da Terra, mais os rios, as florestas, o
vento, o sol e a chuva, os vulcões e terremotos, trabalho mais que suficiente
para ser realizado. Ou seja, tantas outras galáxias para controlar. Galáxias!
Galáxias inteiras!
Para
resolver essa grave questão, Deus, que é uma entidade "sapiente,
onipresente e onisciente", prevendo essas exigências todas, colocou em
cada um de nós uma centelha de Si (que denominarei de "Centelha Divina")
para nos ajudar nos momentos em que fosse necessário, proporcionando-nos uma
espécie de "carta de alforria cósmica".
A
partir dessa providência, Ele, o Todo-Poderoso, estaria sempre presente e, ao
mesmo tempo, ausente! Paradoxo! (O criador adora paradoxos! Ele já provou isso
em inúmeras de suas criações!)
Assim,
Ele resolveria todos os problemas e não se envolveria em nenhum deles, como convém
a um bom administrador, através da chamada delegação de competência ou livre-arbítrio,
do qual cada um de nós fomos dotados por Ele. E tudo funcionaria às mil
maravilhas!
No
entanto, não é bem assim que as coisas acontecem, pois parece que em algum
momento desses milhares ou milhões de anos de caminhada sobre a Terra, nossa
memória foi se apagando aos poucos, e
poucos de nós ainda se lembram desse "chip" divino implantado
em nós.
Assim,
em algum momento, alguém apareceu com uma “brilhante” idéia: “religar-nos” com
Ele, fingindo não saber que sempre estivemos unidos ao Pai. Foi daí que surgiu
a palavra “religião” (em latim religare),
a qual teria o intuito de nos conectar ao Criador.
Ato
contínuo, esses "iluminados" se autonomearam representantes de Deus e
se intitularam “despachantes do Senhor”, fazendo crer que o Todo-Poderoso é inatingível,
senão através deles. Foi desta forma que surgiram os "atravessadores da fé",
e instituíram a “burocracia religiosa”.
A
partir daí, a humanidade se viu envolvida em componentes até então
desconhecidos, tais como: requerimentos, taxas e emolumentos, guias de
recolhimento de óbolos, dízimos, boletos compulsórios por milagres recebidos, e
assim por diante. Também foram instituídas preces, promessas, novenas,
procissões, oferendas e até sacrifícios de animais ou mesmo de pessoas. Sem
contar a autoflagelação, adotada por alguns segmentos religiosos, que consiste
em açoitar o próprio corpo, magoá-lo com objetos cortantes ou pontiagudos até
sangrar. Fazer longas caminhadas, geralmente
de pés descalços, às vezes carregando cruzes ou outras cargas simbólicas,
também se tornou usual. E, desta forma, acabamos por perder o contato direto
com o Eu-Deus e passamos a fazer o jogo dos ditos "representantes"
Dele. Perdemos a linha direta.
Desse
momento em diante deixamos de lado nossa força, a nossa "centelha divina
individual", e nos submetemos ao sistema sugerido, ou melhor, imposto pelos
burocratas, e deixamos de exercer nosso legítimo direito de agir em causa
própria, conforme nos fora delegado por Deus, desde o início.
Resultado
final: Deus foi colocado por todos num lugar inatingível, quase ausente. Tão
distante que se faz necessário invocá-Lo (acioná-Lo de fora para dentro)
todos os dias, ou pelo menos uma vez por semana em lugares especiais,
geralmente suntuosos e luxuosos, determinados pelos burocratas. Deixamos de evocá-Lo, isto é, buscá-Lo dentro de nós, para chamá-Lo "de longe".
Até
os líderes espirituais demonstram não possuir a "centelha divina",
pois, quando adoecem, correm aos hospitais especializados mais sofisticados e
mais caros. Estão ficando cada vez mais fortes e mais ricos, não em graças e
virtudes, mas em bens materiais e rendas profanas. Aliás, um procedimento mal visto pelo nosso Criador, que assim nos
ensinou uma vez:
"Porque nada trouxemos para este mundo, e manifesto é que nada
podemos levar dele". (1 Timóteo 6:7)
“Tão-somente temei ao SENHOR, e servi-O fielmente com
todo o vosso coração; porque vede quão grandiosas coisas vos fez.” (1 Samuel 12:24)
“Filhinhos, sois de Deus, e já os tendes vencido; porque
maior é o que está em vós do que o que está no mundo.” (1 João 4:4)
Hélio
Cervelin – na época (2011) era Acadêmico de Letras – Português, Florianópolis, SC.