Autora:
Nídia Maria de Leon Nobrega
Tenho um fascínio quase mórbido
por cemitérios.
A arquitetura dos antigos que
contam a história das cidades e suas relações de poder ou o lado religioso e
cultural que se espraia até a morte me seduzem. Tenho pelos cemitérios o mesmo
encantamento que tenho pelos museus. Em ambos o passado fala da morte da mesma
forma. A morte de quem, em algum
momento, teve um tempo de vida nessa trajetória pelo planeta Terra. E, não importa
quem tenha sido: amou, foi amado, errou, acertou, viveu grandes paixões, lutou suas
causas, perdeu e ganhou batalhas e construiu uma história que teve um
significado para alguém. Assim sendo, a morte de almas tão diferentes – que
podem ter sido ou não meus amores, me inspiram lirismo, emoção, saudade ou apenas
respeito.
Porque viver é uma bela experiência
e um desafio que nos exige força e coragem desde que somos paridos até nosso
último suspiro. Então, a morte - essa passagem inexorável -, não me inspira medo
ou tristeza. É apenas uma fase nova de uma vida física que se extingue quando
seu tempo acaba. Acredito na reencarnação e então a morte não tem um
significado definitivo. Mudamos de dimensão e continuamos como parte do cosmos.
O que me dói e angustia não é o
movimento incansável das horas, ou o barulho do pêndulo que anuncia menos tempo
no relógio da vida. O que me faz sofrer são os amores que morrem, os afetos que
sucumbem às vaidades ou o egoísmo, o suicídio dos sonhos ou o homicídio da
esperança alheia. Choro pela violência com que se
tratam amores precoces ou tardios ou os que fogem das convenções. Lamento a
homofobia, o preconceito, o racismo, o sectarismo e a segregação religiosa e a
exclusão social que enterram sonhos, verdades e esperanças. Me fazem sofrer as ameaças à
ternura e às ilusões, o egoísmo das emoções doentes que magoam e desconhecem o
compartilhar. Ou a despedida dos amores que não deveriam se separar. A fuga
insana dos afetos proibidos e o engasgar das palavras amorosas que não são ditas
provocam mortes dolorosas coo as mãos que se negam ao carinho.
Essas pequenas mortes diárias me
doem mais do que corpos inertes que jazem nas necrópoles. Ou que viram cinza
nos crematórios. A morte dos sonhos, dos ideais,
das causas coletivas e das conquistas sociais afetam mais o universo porque não
são naturais. E esse luto é quase incurável. A ausência do sorriso pelo
desencanto, pela fome, desamparo ou desalento são tragédias diárias. Como a fome de carinho que esmaga qualquer
coração.
Esse tipo de morte me faz
sangrar. E mesmo que não me seja possível reverter todas essas perdas lamento
cada uma delas e me desarvoro no desamor e na omissão do silêncio ou da
cegueira aos desassistidos.
Sendo assim, encaro a morte física
como parte da vida. Já a que nega todos os discursos amorosos, que faz brotar
lágrimas, abre feridas nas almas, que gera dores e boicota a felicidade essa
não é natural, não está na vocação da felicidade e, por isso, me dói mais.
Sobre meus mortos não os perdi.
Carrego-os em mim, no meu DNA, memórias e estruturas.
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