sábado, 4 de novembro de 2017

REFLEXÕES SOBRE A MORTE (Nídia Maria de Leon Nobrega)

Autora: 
Nídia Maria de Leon Nobrega

Tenho um fascínio quase mórbido por cemitérios.

A arquitetura dos antigos que contam a história das cidades e suas relações de poder ou o lado religioso e cultural que se espraia até a morte me seduzem. Tenho pelos cemitérios o mesmo encantamento que tenho pelos museus. Em ambos o passado fala da morte da mesma forma.  A morte de quem, em algum momento, teve um tempo de vida nessa trajetória pelo planeta Terra. E, não importa quem tenha sido: amou, foi amado, errou, acertou, viveu grandes paixões, lutou suas causas, perdeu e ganhou batalhas e construiu uma história que teve um significado para alguém. Assim sendo, a morte de almas tão diferentes – que podem ter sido ou não meus amores, me inspiram lirismo, emoção, saudade ou apenas respeito.

Porque viver é uma bela experiência e um desafio que nos exige força e coragem desde que somos paridos até nosso último suspiro.  Então, a morte -  essa passagem inexorável -, não me inspira medo ou tristeza. É apenas uma fase nova de uma vida física que se extingue quando seu tempo acaba. Acredito na reencarnação e então a morte não tem um significado definitivo. Mudamos de dimensão e continuamos como parte do cosmos.

O que me dói e angustia não é o movimento incansável das horas, ou o barulho do pêndulo que anuncia menos tempo no relógio da vida. O que me faz sofrer são os amores que morrem, os afetos que sucumbem às vaidades ou o egoísmo, o suicídio dos sonhos ou o homicídio da esperança alheia.  Choro pela violência com que se tratam amores precoces ou tardios ou os que fogem das convenções. Lamento a homofobia, o preconceito, o racismo, o sectarismo e a segregação religiosa e a exclusão social que enterram sonhos, verdades e esperanças. Me fazem sofrer as ameaças à ternura e às ilusões, o egoísmo das emoções doentes que magoam e desconhecem o compartilhar. Ou a despedida dos amores que não deveriam se separar. A fuga insana dos afetos proibidos e o engasgar das palavras amorosas que não são ditas provocam mortes dolorosas coo as mãos que se negam ao carinho.

Essas pequenas mortes diárias me doem mais do que corpos inertes que jazem nas necrópoles. Ou que viram cinza nos crematórios.  A morte dos sonhos, dos ideais, das causas coletivas e das conquistas sociais afetam mais o universo porque não são naturais. E esse luto é quase incurável. A ausência do sorriso pelo desencanto, pela fome, desamparo ou desalento são tragédias diárias. Como   a fome de carinho que esmaga qualquer coração.

Esse tipo de morte me faz sangrar. E mesmo que não me seja possível reverter todas essas perdas lamento cada uma delas e me desarvoro no desamor e na omissão do silêncio ou da cegueira aos desassistidos.
Sendo assim, encaro a morte física como parte da vida. Já a que nega todos os discursos amorosos, que faz brotar lágrimas, abre feridas nas almas, que gera dores e boicota a felicidade essa não é natural, não está na vocação da felicidade e, por isso, me dói mais.

Sobre meus mortos não os perdi. Carrego-os em mim, no meu DNA, memórias e estruturas.

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